Espalhe amor

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 21 de março de 2020

Sou fã confesso do Papa Francisco. Não sou fã por ser católico ou por conta da minha história ter ligação com os jesuítas. Sou adepto de sua liderança, de seus ensinamentos, por ser discípulo de um Deus que habita na simplicidade. É uma besteira gostar de um padre ou de um pastor porque ele é da mesma religião que a sua.    Temos o direito de discordar. Assim, a religião não deve nos obrigar a gostar do pastor ou do padre porque somos da mesma congregação. Mas voltando ao Papa Francisco, em uma de suas recentes missas, sem público por conta da pandemia que se alastra pelo mundo, dizia ele: “o vírus da indiferença desumaniza”.

Tão fatal quanto a peste negra, tão avassalador como o COVID-19 é o vírus da indiferença. Tão mal quanto o ódio, por um ser subproduto do outro. A vacina para o coronavírus será encontrada em breve pela ciência. A vacina para a indiferença sempre existiu e está dentro de cada um de nós como anulador dos maus sentimentos que permitimos se manifestar dentro de nós. Qual usaremos? Qual de fato nos faz bem e ao universo?

Os livros de história, certamente, terão capítulo para esse período. Além das mortes, da geopolítica, está o declínio da economia. O que fechará esse capítulo ainda não sabemos. Mas o que ficará para nós como sociedade? O que estamos aprendendo com tudo isso? Passou da hora de usarmos em constância a vacina boa que existe em nós. É esse o grande ensinamento desse momento que vivemos.

A proibição de abraçar nos faz lembrar do quão importante é o abraço. Que nesse momento possamos abraçar de outras formas e esse abraço será tão ou mais forte do que aquele que possibilita o contato. A proibição de apertar as mãos nos faz recordar do quanto é prazeroso tocar o outro. Que nesse momento possamos apertar as mãos pelo olhar e nos cumprimentar como irmãos. 

Só o amor nos faz irmãos. Que nossos afetos sejam mais do que os beijos que não podem ser dados para descobrirmos que não é o físico que nos conecta, mas algo extraordinário: o sentimento que flui e rompe a barreira do ar e sem qualquer risco de vírus nos chega e se achega no colo da alma. É momento de cuidar uns dos outros para cuidarmos de nós mesmos e do planeta. E a fatura do nosso consumismo, soberba e ignorância nem chegou ainda. E olha que não acredito em Deus punitivo, mas tenho certeza do homem que se auto pune sem sequer se julgar. Espalhemos amor. 

Quem poderia supor que um micro-organismo, invisível aos olhos como a fé, ensinaria a humanidade que precisamos é espalhar amor? Não dá para esperar até dezembro. O mundo pede que espalhemos amor - agora. Pois não espalhamos amor ontem. Quantos se deixaram levar pelo ódio, disseminaram o rancor e estão amargurados? O egoísmo enfraquece elos. A que tempo nos traz a desigualdade? A raiva causa indiferença. E indiferença desumaniza. 

Não é preciso sofrer para aprender. A dor não faz ninguém evoluir. O que faz crescer é a urgência de nos resolver como irmãos. E a fórmula não é nenhuma decodificação de décadas de ensaios e conclusões acadêmicas. 

Espalhar amor é a mais simples das matemáticas, a mais retumbante filosofia, a mais antiga das ciências. Difícil negar sua eficácia. Se falta coragem para colocar em prática, o medo que nos atravessa, obriga atitude imediata: espalhe amor! 

Talvez seja um apelo infantil suplicar para que espalhemos amor. Mas é dos corações infantis que o amor mais simples se transforma no grande amor coletivo que tanto necessitamos para vencer esse instante de isolamento físico, mas ao mesmo tempo de grande união imaterial. A vacina do amor desperta o que há de mais humano em nós!     

 

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