Uma cidade dentro de um parque

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 06 de novembro de 2021

Não é um parque dentro de uma cidade, é uma cidade dentro de um parque. De tal modo que Nova Friburgo pode, como qualquer outra cidade, ter tudo que o homem pode construir. A engenharia, de fato, pode fazer coisas incríveis. Mas Nova Friburgo tem algo que só Deus pode constituir: uma natureza exuberante, com verdes de vários tons abraçados por montanhas. Um belo vale com um rio no meio, cujas águas deslizam mansas. Essas águas cristalinas que fazem véus em suas cascatas antes de cortarem a cidade.

Nova Friburgo é mesmo única. E ainda que relegada há algum tempo por gestões trágicas, ultrapassadas, sem visão – segue determinada, ainda que sonhando mais do que realizando. Mas se há sonho, há esperança. 

O protagonismo friburguense vem sendo roubado dos friburguenses por pseudos friburguenses de bem. Os moralistas, geralmente, são pouco talentosos e bastante limitados. Passarão. Ainda que deixem lastro de estragos. O pior, são os estragos culturais, pois esses levam tempo para serem refeitos. 

Perder identidade é a maior crueldade que se pode cometer contra um povo. O desrespeito e o descompromisso com a história causam feridas que dificilmente se fecham. Quando há cura, levam muito tempo para cicatrizarem. Assim, o que nos conecta como friburguenses não é o sangue. O que nos conecta como cidade são nossas instituições e a natureza que compartilhamos. São as lembranças que trazemos e preservamos e nossos filhos tornam a fazer, e, ao criarem apreço - mantêm.    

Cuidar da história e da natureza é primordial, inclusive, para o futuro econômico. Ter desleixo com o que o passado construiu é nos jogar na vala da desmemória e fazer a cidade perder valor como um todo. Óbvio que o novo sempre vem, mas porque o velho o traz na corcunda. Não há por que desassociar o moderno do tradicional. As inovações são tão bem-vindas quanto é bem quisto o respeito à biografia coletiva que escrevemos, seja nos campos de futebol, nas paredes das instituições, nas partituras das bandas musicais, nas pontes ou nos paralelepípedos. Só preservar, talvez, seja pouco. Reconstruir é premissa boa.    

Da mesma forma é ultrapassada a percepção que tenta separar ecologia de economia. A economia é dependente e a nova ordem faz ser ainda mais intrínseca a relação sustentabilidade e economia. É uma exigência do mercado, pois o mercado sabe que para sobreviver é necessária uma revisão, já em curso, dessa nossa relação com o planeta. Aliás, sustentabilidade já é pouco. Regenerar é preciso. O futuro pertencerá às cidades sustentáveis, que apostam na regeneração de suas matas e fontes, que investem em energias renováveis, se planejam como ambientalmente corretas e cuidam das pessoas. Inclusive de suas ecologias mentais.  

Eu quero e deve ser um desejo de todos que Nova Friburgo seja de futuro. Mas para esse querer ser verdadeiro e permanente é preciso gerar cultura e se reconhecer nessa missão. 

Pelos que ocupam o poder, estamos consideravelmente atrasados. Mas a força do nosso povo é mesmo surreal. Apesar, destes que aí estão, há vontades acontecendo quase que por instinto ou mesmo engajamento de alguns setores. Que cause catarse e se espalhe. Por isso, olhar para nossa história é convite irrecusável. Para se inspirar. O nosso DNA é de pioneirismo e não podemos perder isso de vista. Abraçar esse futuro é também gerar riqueza para uma cidade que, infelizmente, vem empobrecendo.

O mais difícil temos: uma cidade dentro de um parque e história. O mais fácil podemos: derrotar esses ultrapassados que agridem nossas memórias e identidades. O futuro é verde e precisamos plantar esse futuro imediatamente.               

 

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