Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana
Renascer
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
Renascer é mais difícil do que recomeçar. Ninguém recomeça do zero. Traz consigo experiências, vivências, coleções de conquistas e fracassos. Sabe o que queima e aquilo que suaviza. Sabe diferenciar os medos que protegem daqueles medos que paralisam. Recomeçar, portanto, é traçar novo começo, mas a partir de algo que foi iniciado e interrompido. É ter percepção das tatuagens e cicatrizes e se fortalecer delas para prosseguir em novas rotas, mas com velhas histórias na bagagem. Recomeçar é pouco arriscado, pois se acredita saber dos riscos e saber dos riscos rouba os potenciais. Pode impedir o ver além. Recomeçar é insistência, resiliência, bravura, mas também é dedilhar o mesmo violão com mais aprimoramento, mas para as mesmas notas musicais. Pode até fazer novas canções, mas raramente novos ritmos.
Renascer é mais profundo. É abandonar velhas roupas, purificar-se das teses e estratagemas, livrar-se de qualquer preconceito acerca do entorno, mas acima de tudo sobre si mesmo. É admitir o não saber de nada e assustar-se com o amanhecer como quem vê o amanhecer pela primeira vez. Renascer é reinvenção a partir de invenção alguma, pois é desconhecer os experimentos para saborear o processo de romper o ventre ou romper as luzes que o sobrenatural traz. Renascer é morrer para tantas coisas e morrer em vida não é nada simples. É aprender a dar adeus para conceitos cultivados e às tantas razões que teimamos em achar que são nossas. Renascer é perdoar as próprias vaidades e dizer: “vão embora e as deixo ir sem olhar para trás”! É bem mais do que novos caminhos, são novos passos. Renascer é sepultar-se para ser outra coisa, outra história. É abdicar dos luxos e lixos acumulados, do próprio corpo e levar apenas a alma.
Renascer… Recomeçar… Viver! A vida é de tantos começos, mas de poucos ou quase nenhum renascimento. Nascer de novo parece doído, cansativo, temeroso. Percorrer tudo que já foi percorrido. Mas libertador, é renascer.
Recomeçar faz da liberdade ser a mesma, talvez com mais adereços, mas a estrutura é a mesma. Renascer é desapego, soltar as amarras, cerrar as grades, aniquilar as cruzes que nos damos e nos dão. É dar basta à crucificação. É fé que não precisa de guia ou pastor com suas vãs interpretações.
Em tempos de pressa, respirar tem sido recomeços, mas nossos pulmões suplicam por renascimento. Ver tudo de novo e de novo sentir pela primeira vez cada sentido e sentimento.
Encantamento, pureza, descoberta… Ah! Se cada novo dia fosse renascimento. Se mais do que si, todo mundo também renascesse e se renovasse espantado com tanta beleza que há. Herdeiros da terra e como bons herdeiros cuidadosos com a vida, com toda vida que há agora e porvir.
Entre recomeçar e renascer, não precisa Cristo voltar para renascermos. Ele já veio para que tenhamos vida plena e vida em abundância. Falta — dois mil anos depois — renascermos de fato! Por enquanto, só temos, útil ou inutilmente, colecionado recomeços. De repente, de tanto recomeçar, renasçamos mais cedo ou mais tarde…
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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