Renascer

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sexta-feira, 07 de abril de 2023

Renascer é mais difícil do que recomeçar. Ninguém recomeça do zero. Traz consigo experiências, vivências, coleções de conquistas e fracassos. Sabe o que queima e aquilo que suaviza. Sabe diferenciar os medos que protegem daqueles medos que paralisam. Recomeçar, portanto, é traçar novo começo, mas a partir de algo que foi iniciado e interrompido. É ter percepção das tatuagens e cicatrizes e se fortalecer delas para prosseguir em novas rotas, mas com velhas histórias na bagagem. Recomeçar é pouco arriscado, pois se acredita saber dos riscos e saber dos riscos rouba os potenciais. Pode impedir o ver além. Recomeçar é insistência, resiliência, bravura, mas também é dedilhar o mesmo violão com mais aprimoramento, mas para as mesmas notas musicais. Pode até fazer novas canções, mas raramente novos ritmos. 

Renascer é mais profundo. É abandonar velhas roupas, purificar-se das teses e estratagemas, livrar-se de qualquer preconceito acerca do entorno, mas acima de tudo sobre si mesmo. É admitir o não saber de nada e assustar-se com o amanhecer como quem vê o amanhecer pela primeira vez. Renascer é reinvenção a partir de invenção alguma, pois é desconhecer os experimentos para saborear o processo de romper o ventre ou romper as luzes que o sobrenatural traz. Renascer é morrer para tantas coisas e morrer em vida não é nada simples. É aprender a dar adeus para conceitos cultivados e às tantas razões que teimamos em achar que são nossas. Renascer é perdoar as próprias vaidades e dizer: “vão embora e as deixo ir sem olhar para trás”! É bem mais do que novos caminhos, são novos passos. Renascer é sepultar-se para ser outra coisa, outra história. É abdicar dos luxos e lixos acumulados, do próprio corpo e levar apenas a alma. 

Renascer… Recomeçar… Viver! A vida é de tantos começos, mas de poucos ou quase nenhum renascimento. Nascer de novo parece doído, cansativo, temeroso. Percorrer tudo que já foi percorrido. Mas libertador, é renascer.

Recomeçar faz da liberdade ser a mesma, talvez com mais adereços, mas a estrutura é a mesma. Renascer é desapego, soltar as amarras, cerrar as grades, aniquilar as cruzes que nos damos e nos dão. É dar basta à crucificação. É fé que não precisa de guia ou pastor com suas vãs interpretações. 

Em tempos de pressa, respirar tem sido recomeços, mas nossos pulmões suplicam por renascimento. Ver tudo de novo e de novo sentir pela primeira vez cada sentido e sentimento. 

Encantamento, pureza, descoberta… Ah! Se cada novo dia fosse renascimento. Se mais do que si, todo mundo também renascesse e se renovasse espantado com tanta beleza que há. Herdeiros da terra e como bons herdeiros cuidadosos com a vida, com toda vida que há agora e porvir. 

Entre recomeçar e renascer, não precisa Cristo voltar para renascermos. Ele já veio para que tenhamos vida plena e vida em abundância. Falta — dois mil anos depois — renascermos de fato! Por enquanto, só temos, útil ou inutilmente, colecionado recomeços. De repente, de tanto recomeçar, renasçamos mais cedo ou mais tarde…

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