Quero mesmo é flutuar

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 14 de agosto de 2021

Eu fico à procura de paixão como o bebum caça cervejas depois que todos os bares já fecharam. Paixão. Não, paixões. Ainda que considere o risco de experimentar. Singular acima de plurais – sempre.    

Eu sei onde piso, mas quero mesmo é flutuar. Flutuar pressupõe falta de chão que, às vezes, pode ser abismo. Se tivéssemos o dom da vidência... Cabe então, calcular voo e aterrissagem pela matemática da vida, sempre intimidada pelo talento da intuição. Aterrissará? Bom que não haja resultado fechado, tampouco gabarito em outros corações. Tudo pode acontecer e é o inesperado que inspira. Mesmo após abdicar do sonho de nessa novela não ser apenas amigo, meros conhecidos ou ficantes que sequer gravam o nome. Não basta apenas se seguir no Instagram. 

O mundo podia ser assim: te envio mensagem dizendo que “não consigo parar de pensar em você”. Se revelar ou revelar o que os olhos não fazem questão de esconder. Flutuar nessa verdade que quer a sua verdade apenas se ela responder: “eu também não consigo parar de pensar em você”. 

Há encontros não esperados, próprios do inusitado, que nos fazem flutuar em imaginações para além de toda conversa iniciada, evoluída para fiada, de quem faz rodeio e joga. No entanto, o jogo é desculpa esfarrapada de ambos na tática - nem sempre tão sábia - de apenas evitar se machucar. 

Guarda segredo, fala por entrelinhas em brincadeiras que dizem tudo ou boa parte. Se descobrir é tão fascinante. Se desvendar no outro é mais fascinante ainda. Faz parte do encantamento o tal mistério. Mas encantamento mesmo seria te cantar Cazuza, te dar um codinome e você me declamar poemas atribuídos a Caio Fernando Abreu enquanto dedilha o violão. Aí, não seria mais só instigação. Nem para mim - que ainda não colhi informações suficientes para cruzar seu mapa astral com o meu Sol em Leão e Lua em Sagitário - nem para você, que finge saber tão pouco sobre o que eu quero. Mas não me pergunte se ainda sei onde piso. Pois depois da curva da instigação, talvez flutuemos e ao flutuar tudo pode acontecer. 

Flutuar sem asas, na segurança de um balão cuja combustão se faz pela união de mãos, peitos e lábios. Conduzido pelo vento do desapego e da coragem de quem não teme ser feliz, amando como se deve amar e se entregando ao gostar e à paixão, o tanto quanto o gostar e a paixão pedirem entrega para flutuar. 

Nos dias nublados em que o balão for impedido de ir aos céus, o tapete da sala vira tapete voador, tanto quanto os lençóis da cama ou as cortinas do quarto ou as folhas das árvores ou os livros da biblioteca, pois em verdade o que flutua é a imaginação de não ser mais sozinho desde que cruzou o meu caminho. 

Se sabia onde pisava, mas queria é flutuar, agora eu não sei mais onde piso. Agora, eu só sei é flutuar...    

 

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