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O dia mais feliz da sua vida
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
E se esse for o dia mais feliz da sua vida? Se você viver assim, vai querer fazê-lo mais feliz ainda pelo simples saber. Talvez essa perspectiva seja melhor do que pensar que pode ser esse seu último dia, seu último instante. Seu único instante.
A felicidade… Que dia feliz o de nascer. Apesar do susto de sair de bolsa tão confortável, ver a luz (ainda que apenas por silhuetas e sombras) é de uma beleza inigualável.
E muito feliz o dia que bebê já não se guiava pelas vozes, especialmente a de mamãe. Ver o rosto dela, enxergar as cores. Que mundo colorido. Sem saber o que era felicidade, banguela o sorriso se plantou. Descobrir o sorriso é melhor do que o choro da reclamação.
E não poderia supor que mais feliz ainda o dia de andar, só superado pela formação de palavras que fazem ser entendido. Compreensão, no entanto, só se aprende mais tarde, bem mais tarde e, igualmente, produz dias de muita felicidade.
Achar que é independente pelo simples fato de ir ao banheiro sozinho faz criança achar que aquele era o dia mais feliz da vida. Mas aí vêm os dias de saber quão gostoso é refrigerante e quanto deixa energizado essa diversidade de delícias temperadas com açúcar. O açúcar. Não tão poderoso como o sol e a lua. E a lua é ainda mais poderosa quando vista no colo de primeiras, segundas, terceiras paixões.
Que dia feliz, que momento feliz saber diferenciar tantos sentimentos que nos constroem e nos desconstroem. Aquela viagem a Recife, aquela viagem no simples observar uma abelha voar de uma flor para outra, aquele voo no olhar tão especial de quem vê em outros olhos um novo mar. Memórias que elevam até mesmo as saudades que recusam fantasias de nostalgia, pois se assumem como dias mais felizes da vida para a vida inteira.
O palco tão cheio quanto a plateia, vibra o coração. As conquistas do clube de futebol escolhido ou as vitórias do time de pelada mesmo. Torcer é ser parte, se vincular e criar vínculos faz o destino se recusar a ser só.
Na arte dos encontros, especialmente os mais inesperados, se fazem dias mais felizes que planejam outros tantos que vislumbram a mesma chance de ser como esse de ver pela primeira vez aquele rosto, sorriso, alma e olhar de quem se quer para o altar e tudo que vem depois dele, inclusive o cotidiano de pães dormidos virando torradas com manteiga.
O dia mais feliz da vida se repete e se repete e querer chegar ao dia mais feliz que é envelhecer com quem se ama se faz continuadamente, dia a dia, de cabelos reluzentes aos brancos que virão.
Descobrir que intimidade é raro e admiração é conquista contínua faz relações prazeirosas que dignificam os dias ao expoente de mais feliz da vida. Sem perfilá-los, sabedor que o tempo, essa marcação inventada entre o nascer dos dias e a intrusão das noites, é cheio de canções.
Às vezes, poetizam o silêncio, outras arrebatam em ansiedade os movimentos de ir sem ir, dançar como bailarino ou apenas bailar sem saber a coreografia. Porque inventamos formas de encarar as angústias e aprendemos muito com as músicas. Aprendemos até a amar, sofrer com convicção, se iludir, conscientemente, desapegar.
Assim, rir dos enganos que sempre são ganhos e deixar ir, ainda que se queira muito que fique. Só fica o que pode ficar. Até raizes se soltam da terra profunda.
E os alienígenas em contato com os humanos nos tranquilizarão de que escravos não nos farão. E revelarão que todos os que já se foram são estrelas das órbitas deles e que poderemos reencontrá-los como encontramos a luz das estrelas que já morreram nas galáxias mais distantes de nós.
Querer é nobre e ser atendido é divino. Mas, feliz mesmo é conseguir o que se quer por si e pelas forças todas que convocam para atuar em favor do certo e certeza é o que se quer: bandeiras, paixões, amigos, paz e festa.
E se esse for o dia mais feliz da sua vida. Se você viver assim, vai querer fazê-lo mais feliz ainda. Talvez essa perspectiva seja melhor do que pensar que pode ser esse seu último dia, seu último instante. Seu único instante. A sapiência do fim torna tudo mais urgente, não necessariamente mais feliz, ainda que cineasta da própria vida queira últimas cenas bonitas, finais felizes.
O dia mais feliz hoje será superado pelo de amanhã, continuadamente, porque viver é busca que se encontra nas reticências de cada dia e hora até que seja ponto final. Desejo que esse ponto final demore muito para chegar e que seja de exclamações, posto que supor o que vem além é apenas interrogação.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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