Improvável

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 28 de agosto de 2021

Seria improvável, mesmo com a bagunça do clima, fazer primavera no inverno. Mas tem flores nascendo no coração e quem comprova é o sorriso solto, quase bobo. Basta um olhar para o sorriso transbordar, e, o coração semeado por essa graça repentina de ser feliz - florescer. 

Temo assustar, tanto quanto me acomete a intensidade que me visita. Mas na cumplicidade comigo mesmo, provo do improvável da intimidade com quem acabo de conhecer. 

Dispenso o jogo dos segredos e me revelo quase que por inteiro. Deixo, é claro, alguns bocados nos bolsos na intenção de instigar descobertas que nem eu mesmo descobri. 

Não me importo se estou vulnerável, ainda que cante, ainda que tenha cautela para dizer que quero mais e mais e mais. Na confissão, acabo por me entregar: no seu magnífico circo, estou mais para talentoso palhaço em busca de te arrancar gargalhadas, do que mágico pioneiro sedento para te iludir. 

Improvável você me perceber e se interessar e continuar. Nas reticências de tudo, o que há é sintonia. Dirá que pensamento chama. Convoca, talvez. 

Como fenômeno climático traz verão para o inverno e aquece corpo, alma e coração. Sensibilidade poética de quem observa e ouve mais do que fala, ainda que tagarele sob efeito de vinho. 

Canta ao vir mais perto e tão próximo declama músicas que parece ter escrito. Ensina arte, testa receitas e acerta. Guarda teóricos no bolso para me impressionar ou me contra-argumentar, quando seu argumento infalível é apenas chegar e deixar eu te tocar, os peitos, os lábios, o arrepio do intervalo entre sua orelha e nuca. Se permitir, avanço mais e ainda que tudo pareça improvável, aceito a verdade: o melhor dos seus teóricos é você mesmo. 

Não pede para eu ficar, mas te convido. Sua maturidade me faz imaturo, mas gosto desse sabor infantil de criança que rouba doces da prateleira mais alta. 

No improvável enredo de encantamento à primeira vista, sou ousadia e você temperança; sou exagero e você sabedoria; sou noite e você dia. Na ausência de extremos, somados se inventa o equilíbrio. 

As impossibilidades não tombam a felicidade de sorrir com os olhos que mutuamente entendem o que está acontecendo, ainda que seja breve, ainda que seja forte, ainda que seja repleto de leveza e até de angústia própria de quem vive. 

Nesse improvável de nós dois, rechaço passado e futuro ainda que reze para que perdure a primavera, pelo menos até o inverno se despedir.

 

Foto da galeria
(Foto: Henrique Pinheiro)
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