É o que é o amor

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 20 de maio de 2023

Repetidas vezes, tenho dito para mim mesmo, não por sabedoria sobrenatural ou fé, mas por vivência: o amor é composto por muitos ingredientes, alguns até exclusivos de cada relacionamento, mas todos os amores são sustentados por companheirismo, intimidade e admiração. 

Você já se foi há algum tempo, seguiu seu percurso, ainda que eu estivesse no seu caminho ou o seu caminho em mim. Depois de muitas curvas, derrapadas, cartas não entregues, mensagens elaboradas não enviadas, confissões embriagadas, percebo que eu consegui. Consegui me desligar de você. Penso sempre em você, mas por agora os pensamentos moram em outra esfera. 

Só depois de você, ainda que só quando você foi embora, ainda que só quando consegui te deixar ir de mim, que me escuto: amor é companheirismo, intimidade, admiração.

Companheirismo, intimidade, admiração, talvez somados, não sejam tão românticos como comédia hollywoodiana. Mas é o que é o amor. Fantasias e alegorias perdem o brilho com o tempo ou a falta de ineditismo. Declarações rasgadas viram peça de livro ou boas memórias. 

Ainda que o passado dê fôlego ao futuro, o amor só sobrevive ao cotidiano com o companheirismo que estende a mão, com a intimidade de quem se entende pelo olhar até nas discussões, com a admiração de quem sorri e basta o sorriso para que o outro saiba que é uma chuva de palmas.

Eu te amei. Sei que me amou. Errei, tanto quanto você errou. E, tudo bem. Não quero saber de erros que não soube ou que não admito para você. Se amor é deixar ir... 

Eu de ontem não deixaria. Eu sei. Peço desculpas pelo meu egoísmo. Te deixo, hoje. Para voltar depois? Não sei e não carrego mais essa esperança. O destino? Ele até pode, mas peço que não sussurre nos meus ouvidos, e, se seus ventos uivarem, estarei surdo para o aviso de tempestades. 

O quê? Não sei. E adoro não saber se está feliz com outro. Se está, fico contente por estar e por eu não saber. 

A saudade é boa quando se amou. Toda admiração, todo companheirismo, toda intimidade foram tão verdadeiros e únicos. Tão singulares. Nossos céus de estrelas foram singulares. Nossos voos matutinos foram singulares. Nossa viagem à São Tomé foi singular. Até nossa preguiça de ficar o domingo inteiro debaixo dos lençóis foi singular.   

Não! Não me venha falar que sou ótimo com poesias, mas péssimo na vida real. Fui surreal na vida cotidiana. Para fora ou além dela — um poema. Muitas crônicas, sobre exoplanetas, escovas de dente, coração amadeirado e outras coisas entre as camas, as horas, na cantoria de quem é melodia com os olhos e sintonia com as línguas. Amor certeza e esteja certo disso.   

Para sempre te amarei. E esse eu que para sempre admite que te amará é o que deixa você ir. Porque amar é também saber deixar ir e isso advém de amor maduro, mais do que inconsequente. 

Mesmo com todo nosso companheirismo. Mesmo com a intimidade que construímos. Mesmo com a admiração que mantemos um pelo outro, mesmo quando não nos admiramos a nós mesmos, mas estávamos ali para admirar o outro e nesse espelho ver no reflexo de si mesmo o quanto de beleza temos.    

Não sei se o amor tropeça, mas acredito que o amor não necessite de bengalas. Pois, o amor é asa. Enquanto juntos, fomos o par de asa do outro. Com tudo que nos ensinamos, espero, ainda que capenga, possa encontrar o par de asa que me fará voar pleno de novo.

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