Quem não empurrou palavras goela abaixo?

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 05 de fevereiro de 2024

Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções.  Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias. É uma fala coloquial que mostra a vida como ela é, como dizia Nelson Rodrigues. Sem dó e sem piedade, através do deboche, comentários e das piadas, as falas dizem tudo o que está em Shakespeare. Nem reis e rainhas, padres e vilões escapam dos inesperados desacertos.  

Não são poucas as situações que exigem silêncio. O silêncio tem inteligência e condições de dizer mais do que palavras, e seus efeitos são eficientes. Estou lendo o romance “Depois daquele verão”, de Carley Fortune. Diante de uma situação delicada, a protagonista, Percy, deixa escapar algo constrangedor ao personagem, Sam, que, no meio da frase, tem que recolher as palavras e enfiá-las de volta para a garganta. 

Eita! Quem não experimentou isso?

Eu, milhares de vezes!

Quando é preciso segurar as palavras, a gente as engole tão rapidamente que perde o ar e fica, até, com a boca aberta.  A autora Carley descreve esse momento da protagonista, como se ela estivesse presa a uma rede e paralisada. E aí me vêm as tantas horas de divã de analista que me gritam: temos que nos perdoar e entender que não há mal em empurrar palavras pela goela e experimentar o silêncio. Mas não é fazer disso uma rotina, pelo contrário, é cuidar para que não aconteça, mas se... 

Conversando com amigas de trabalho e recordando a nossa querida Maria Lúcia, que não está mais entre nós, falamos da sua inteligência sutil, quando dizia: “é preciso pensar sete vezes antes de falar”. Ela estava certíssima. O pensamento seleciona ideias e as palavras com as quais vamos expressá-las.  Todo o cuidado é pouco.

Tenho setenta anos e ainda estou aprendendo a achar o ponto de equilíbrio entre a espontaneidade e o autocontrole. É prazeroso nos expressarmos com originalidade; é tenso controlarmos nossas manifestações. Enfim. A construção saudável da vida nos exige esse meio termo. Nem lá, nem cá. Os caminhos do meio são os melhores. Os budistas sabem disso! 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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