Páginas de Cecília

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Tenho um bloco antigo que vive em cima da minha escrivaninha. Um dia está de num canto; noutro, em cima de uma pilha de papéis. Sempre sob meus olhos porque não é um bloco comum, daqueles que se compra em papelarias. Sua capa é furta-cor e faz com que o olhar se perca entre as cores. Sua capa também é dura e pego-o com gosto porque não vira para baixo com os movimentos como os que têm a capa e a contracapa feitas de papelão. No seu interior, as páginas são assim: uma rosa salmão e outra furta-cor, sequencialmente, num tom mais pastel e menos vibrante dos da capa, certamente para ser possível fazer anotações à caneta. Se for a lápis não vai ficar bem visível. Entretanto, nas poucas vezes em que nele escrevi, senti prazer de ler minhas palavras misturadas com as cores. 

Contudo não são só pelas cores que o bloco tem algo de especial. As páginas furta-cores trazem numa de suas extremidades, ora no canto esquerdo, ora no direito; ora em cima, ora em baixo pedaços de textos da Cecília Meireles. Por causa deles, não anoto quase nada em suas páginas para ler e reler seus pensamentos em forma de poesia e prosa. Só escrevo algo quando é preciso cuidar das palavras e ter a impressão de que a energia da Cecília lustra minha vontade de ser escritora. 

Não sei quem me deu esse bloco. Foi há bastante tempo, num aniversário em que reuni várias amigas em casa quando algumas também comemoravam aniversário. Trocamos presentes e o bloco ficou misturado dentre tantos, e só fui perceber a riqueza do presente dias depois. O dia de aniversário é movimentado, a casa fica animada e não notamos os mais importantes detalhes. Quem me deu o bloco, conhecia minha alma.    

Os escritores precisam de escritores. As palavras deles não se misturam com as nossas, mas nos inspiram, enlevando nossos sentimentos e aconchegando nossos pensamentos, sempre tão solitários. O trabalho do escritor exige afastamento para que ele possa pensar, trocar ideias consigo, viajar pelo imaginário. Sonhar. Sublimar e mergulhar na realidade. Enfim. Os escritores não são imitadores, porém supõem que as palavras de outros escritores os ajudam a trilhar seus próprios caminhos.

Então deixo aqui alguns pedaços da Cecília, minha mestra e mãe da minha amiga, Maria Fernanda tal qual estão escritos nas páginas do bloco. 

 

“Ando sozinha por cima das pedras. 

Mas a flor é minha.”

 

“Nunca eu tivera querido 

dizer palavra tão louca:

bateu-me o vento na boca,

e depois no teu ouvido.”

 

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”

 

“De tanto olhar para longe,

Não vejo o que passa perto,

Meu peito é puro deserto.”

 

“É preciso não esquecer a nova borboleta nem o céu de sempre.”

 

“Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.”

 

Ah, sobre o bloco de Cecília, gosto de deixar meus sonhos bailarem.

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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