“Minha flor é efêmera” (Saint-Exupéry)

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Hoje é um tempo triste. Tantas pessoas estão contaminadas pelo Covid19, outras mais, internadas, além do alto índice de óbitos. Uma certa desesperança paira no ar, que nos faz perguntar: como estaremos amanhã? Sobreviveremos a uma terceira onda?

Este estado de emoção me remeteu a um trecho do livro O Pequeno Príncipe, que, tão logo o li, senti meu peito apertar.

— Mas o que significa “efêmeras”? — repetiu o pequeno príncipe, que, em toda sua vida, jamais desistira de uma pergunta que tenha feito.
— Significa “o que está ameaçado de desaparecer em breve”.
— Minha flor está ameaçada de desaparecer em breve?
— Certamente.
“Minha flor é efêmera, disse para si mesmo o príncipe, “e ela só tem quatro espinhos para se defender do mundo.  E eu a deixei sozinha no meu planeta!”

O livro que tenho em mãos tem a leveza da tradução de Ferreira Goulart, e o trecho a que me refiro retrata a conversa do pequeno príncipe com o geógrafo, quando visita o sexto planeta.

Com suavidade, Saint-Exupéry nos revela que somos efêmeros, sozinhos e temos de sobreviver no mundo com tão poucos recursos. Nem com toda tecnologia conquistada, hoje, no século XXI, não nos tornamos poderosos. Quem pode se defender da ventania, da inveja e de um capcioso vírus? Somos frágeis e temos poucos anos de vida. O que são 90 anos ou mesmo 100 na grandiosidade do tempo? Ninguém tem como negar que somos caracterizados pelos limites. Se olharmos para nossas mãos, percebemos que o tamanho delas é invisível aos olhos do universo. Mesmo fazendo a vida com as duas, que se completam e se ajudam. Mesmo o homem tendo construído túneis, arranha céus e trens com elas, quando vêm a avassaladora força da natureza, o poder maligno do caráter humano, elas se quebram e não conseguem superar o que diante delas se impõe.

Talvez, como Fernando Pessoa usou esta palavra!, os viventes tenham de reconhecer suas impossibilidades para conseguirem melhor enfrentar a vida. Talvez a expressão “sei que nada sei”, seja de Sócrates ou de Platão, tenha a sabedoria dos mestres. Quem não precisa conhecer e aprender mais? Pena que, às vezes, a sensação de onipotência nos engole e chegamos até a imaginar a possibilidade de sermos imortais. Há quem se esqueça de colocar máscaras quando sai à rua em plena pandemia! Será banal esquecimento ou soberba?  

Morremos. Desaparecemos. Sim. Sim, senhor, como dizia Alice. Podemos findar a qualquer momento. 

Deixo, então, o Soneto 12 de Shakespeare:

Quando conto as horas que passam no relógio,
E a noite medonha vem naufragar o dia:
Quando vejo a violeta esmaecida, E minguar seu viço, pelo tempo embranquecida;
Quando vejo as altas copas de folhagens despidas,
Que protegiam o rebanho do calor com sua sombra,
E a relva do verão atada em feixes
Ser carregada em fardos em viagem;
Então, questiono tua beleza,
Que deve fenecer com o vagar dos anos,
Como a doçura e a beleza se abandonam,
E morrem tão rápido enquanto outras crescem;
Nada detém a força do Tempo,
A não ser os filhos, para perpetuá-lo após tua partida.

 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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