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Minha amiga, seus óculos e meus anéis
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Quem não gostaria de que alguns momentos vividos se tornassem eternos? Ah, tudo finda. Noutro dia pensei no que iria acontecer com meus anéis quando eu morrer. Os momentos significativos têm simplicidade e acontecem tão naturalmente, muitas vezes são surpreendentes. A última estrofe do soneto de Vinícius de Moraes, “Soneto de Fidelidade”, me acompanha todas as vezes que sinto felicidade.
“Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
A vida é feita de momentos. A sabedoria está em sermos capazes de perceber a essência das coisas nas situações corriqueiras. Senti-las. Querer experimentá-las mais uma vez. Confesso que adoro música, chego até a considerá-la como uma pessoa que me faz companhia quando estou sozinha. Quando gosto de uma música posso escutá-la todos os dias sem me cansar. Ou da companhia de um amigo, escutar sua voz, sua risada. Como conversar com minha amiga de infância, Maúde. A gente nem precisa se falar, o olhar é suficiente. Como nós nos fazemos bem! Ou mesmo admirar um livro que idealizei, ler os trechos que escrevi e fiz a edição dele por inteiro.
Parece-me que sentir a eternidade do instante é decorrência do amor com que vivemos o momento. O amor tem quatro letras poderosas, que nos faz viver o dia a dia de modo especial.
Há quem ache fácil viver com mesmice, tornando os dias “clichês”. Porém o melhor passe é aprender transformar a banalidade em originalidade. Vinícius nos dá uma aula de como agir de modo único e inovador na primeira estrofe desse seu mesmo soneto:
“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.”
Concordo. É mais difícil, trabalhoso e cansativo viver cuidando do que gostamos. Ora pois sim, ser dedicado é ter a heroica disposição para realizar tarefas, deveres e desejos. É amar a vida porque quando partimos deixamos nossas gavetas cheias, como poetou Fernando Pessoa. Por isso gosto de olhar meus anéis e recordar com minha amiga os tantos inesquecíveis momentos que compartilhamos, como o galeto de frango que comemos em Petrópolis, roendo os ossos e lambemos os beiços. O que conversávamos ficava entre nós, os nossos guardados. Agora estou escrevendo esta coluna com ela pacientemente escutando minhas reflexões, leituras e dúvidas, mesmo de modo virtual, através de uma ligação de vídeo pelo WhatsApp. Que momento eterno!
E o soneto de Vinícius continua a me enriquecer.
“Quero vive-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espantar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.”
No dia certo, vou pedir à minha amiga para guardar meus anéis! Ou quem sabe ela, seus óculos.
“E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama”
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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