Interpessoalidade divina

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 29 de março de 2021

Existe algo melhor na vida do que ter avós que contem histórias aos netos? Que lhes ofereçam oportunidades de leitura? Que lhes coloquem em contato com expressões literárias, como peças de teatro ou filmes?

Noutro dia fui aos correios e encontrei uma querida amiga, Liminha, que acabava de enviar uma caixa cheia de revista em quadrinhos para os dois netos que moravam fora do país, na Alemanha. Ela me disse que todos os meses enche uma caixa com revistas para eles lerem e não ficarem distantes da língua portuguesa. Além de ser um gesto de amor, sua atitude revela a sensível percepção de que a leitura é fonte de prazer.

A presença dos avós é eterna na vida dos netos. Depois que os avós partem, tornam-se invisíveis, deixando intactas nos netos lembranças das experiências que vivenciaram. Minha mãe, vez em quando, me diz que sou parecida com minha avó Vera. Pensando bem, trago em meus gostos e hábitos a maneira que ela foi, o que me faz extremamente bem. Na verdade, minhas três avós me deixaram legados que me caracterizam, como vivenciar a literatura. Ambas eram leitoras e contadoras de histórias.

Os avós possuem papéis diferentes dos pais na vida dos netos pelos cuidados, carinhos e até mimos com que têm para com as crianças, jovens ou mesmo adultos. São aconchegantes e possuem especial poder de compreensão. Ah, como são dadivosos. Qual adulto que não se lembra das histórias que seus avós contavam? Quais avós que não contam as histórias que escutavam dos seus avós quando crianças? A vida se repete, e os avós perpetuam a fartura de afeto, tão importante à construção da identidade individual. O amor é vital.

Os avós, enquanto contadores de histórias, desempenham papéis relevantes na sociedade, na família e na formação do caráter da criança. Os avós cumprem a prazerosa função de distrair os netos com histórias, apesar de muitos desconhecerem o valor da contação, enquanto tradição milenar na perpetuação dos valores, haja vista que as fábulas tinham, na antiguidade, a função de formar e preservar comportamentos. 

Os avós são narradores da vida! As narrativas que fazem aos netos contêm tradições, quase embrionárias, da civilização, além de aprofundar laços familiares. Ao contarem histórias de família, trazem os referenciais dos antepassados. Há avós que são verdadeiros biógrafos. 

O sentimento de orgulho que uma pessoa tem pela sua família, pelo o que seus antepassados fizeram e pelo legado que deixaram para as gerações atuais, dá sentido à existência e norteia os objetivos de vida. As memórias são preservadas na sequência de gerações quando a relação entre avós e netos é intermediada pela contação de histórias e narrativas. Como é um lugar, uma nação e uma pessoa sem passado? 

A oralidade é o modo mais fácil de contar histórias e transmitir narrativas. Não foi assim que a Ilíada, contada por Homero, chegou aos nossos dias? Quando ocorre na relação entre avós e netos, o momento é banhado de afeto e desenhado pela descontração. É um contato humano enriquecedor pela troca de olhares, calor físico, sorrisos, fala cuidada e escuta atenta. É uma interpessoalidade divina.

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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