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Haverá surpresas no café da manhã?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Escrevi este texto há uns quinze anos. Entretanto, para mim, continua a ser
atual, pois me deparo com as questões que nele apresento quando escrevo.
Como esta coluna é para alimentar o leitor e o escritor, decidi trazê-lo aqui. Posto
que é interessante ao leitor conhecer as agruras que o escritor sofre ao produzir
um texto a ser degustado pelo leitor. Posto que para o escritor é saudável refletir
um pouco mais sobre o ato de escrever, que se constitui num desafio constante
porque as ideias nos rondam, cutucam e são insistentes, porém apresentam-se
de modo confuso, descontinuado e contraditório. Os personagens aparecem
repartidos, escondidos em sombras e indefinidos. Durante o processo criativo,
vamos aos extremos e, quase simultaneamente, mergulhamos em incertezas e
saboreamos o néctar dos deuses. Somente quando superamos os medos que
nos recheiam e conseguimos escutar a nossa voz narrativa com nitidez,
conseguimos “literar”. Para inventar, descobrir e ir além dos limites é preciso
assumir nossas idiossincrasias e deixarmos de ser marionetes das opiniões
alheias.
***
Sempre suspeitei que começar é mais difícil do que terminar. Nada é pior
para um escritor do que estar diante de linhas vazias! O vazio é
assustador, é uma ausência que faz com que tudo o que esteja à volta perca o
sentido. Quando a busca pelo novo se torna faminta, ele sente as ideias
germinarem em suas entranhas.
Deixo os dedos dedilharem o texto, letra por letra, como se pudesse,
assim, descobrir onde as ideias estão fincando suas raízes, os canais que minha
alma encontra para se alimentar. É difícil e sofrido escutar a minha voz, que é
única neste vasto mundo ruidoso. De repente, uma energia me leva no tempo e
me faz vislumbrar o passado. Sinto os personagens que criarei me transportarem
para seus mundos.
As linhas vazias gritam, querendo me sugerir algo. Um suspense? A
sensação de amor me invade. Um conto romântico? Uma história que
começa com tudo perfeito. A beleza dos corpos, a sedução e a força das cores
pincelam um ambiente. Os momentos de despedida são intensos e atiçam minha
criatividade. Um sobressalto quebra o devaneio. Um crime? O texto tem que falar,
as frases devem surpreender. Como é difícil abrir os braços ao leitor e
aconchegá-lo. Não sei quem é a pessoa do leitor. Pode ser um só, como tantos.
Nada posso explicar, nem concluir; quem deve fazê-lo não sou eu. Ainda não
consigo saber dos motivos. Não tenho com quem compartilhar esta
responsabilidade. Estou só. Suspiro.
É um mote sem pé e cabeça, um plano que começa a se desenhar. Por que
não falar do dia a dia? Uma tragédia? Não, as passagens são fortes. Apenas um
delito? As livrarias, os cinemas, os jornais, as revistas e as conversas de esquina
estão lotados de violações, e eu escreverei somente mais uma?! Tenho que
tomar cuidado com os clichês. O vulgar é fácil de imaginar; o difícil é mostrar o
quotidiano com maestria.
Pode ser uma comédia...O humor sempre ajuda.
Os personagens precisam nascer. Ângela me passeia na memória, a
personagem que Clarice Lispector, num de seus últimos livros, “Um
sopro de vida”, que foi por ela delineada ponto por ponto. Levei quatro horas para
ler o livro de Clarice. Quanto tempo ela levou para construir Ângela? Escrever é
assim. Levamos uma eternidade para elaborar um capítulo, e o leitor o devora em
minutos.
Será um crime sem morte? Uma calúnia? Quais serão os personagens?
Eles terão de aparecer no branco do papel e se apresentar a mim. Terão de me
seduzir, me fazer apaixonar por eles a tal ponto que possa deixá-los criar o
próprio contexto de suas existências. Serão dois jovens como Mário e Adélia?
Um padre e uma cigana? E Dul!? Gostei do apelido. Terá ele a alma de Iago ou
de Pierrot? De Medeia ou de Alice? O branco me cutuca, fazendo-me mergulhar
mais uma vez no vazio. Quem são vocês?
Já é madrugada e estou exausta! Os personagens me farão companhia
na mesa do café da manhã. Que surpresas me trarão? Será que me servirão
panquecas doces com pimenta?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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