E a máquina de escrever?

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina. Aquele som ritmado e inebriante me parecia uma música e, acredito, que ficou no meu inconsciente como uma recordação dourada e ainda me embala quando escrevo textos, como este, no computador.

Minha mãe fez questão de me colocar num curso de datilografia nas férias porque todo mundo tinha que ter agilidade com o teclado. Fiz o curso um tanto quanto relutante porque queria estar na praia. Porém, até hoje, sou beneficiada pelo aprendizado quando dedilho as teclas do computador, sendo apta a usar todos os dedos das mãos, o que me é prazeroso e facilita o processo de escrita.

Quantos escritores, jornalistas, dramaturgos, poetas e roteiristas se utilizaram da máquina de escrever para transpor para o papel suas ideias? Ou mesmo para passar à limpo o que escreveram em rascunhos? Vale a pena informar que o primeiro texto literário escrito em uma máquina de escrever, que se tem notícia, foi o conto de Sherlock Holmes, “Um caso de identidade”, em 1891, por Sir Arthur Conan Doyle. 

Este equipamento feito de ferro, madeira, alumínio ou peças de plástico tem uma longa história e participou da construção da civilização moderna com eficiência e praticidade. Mas não foi criado com rapidez. Foi gestado a conta-gotas, ao longo de décadas, tendo sido resultado de invenções progressivas, em diversas partes do mundo, que elaboraram, aproximadamente, cinquenta protótipos. Sua utilização inicial foi para atender pessoas com deficiência visual.

É um equipamento composto de teclas que, ao serem acionadas, movimentam tipos impressores de letras, números e caracteres sobre o papel. Depois de invenções mais rudimentares, as primeiras, no início do século XIX, surgiram na Itália. Entre 1820 e 1870 diversas máquinas de impressão ou datilografia foram patenteadas na Europa e nos Estados Unidos. Inclusive, o governo brasileiro considera que o padre João Francisco de Azevedo, em 1861, tipógrafo no Recife, foi seu inventor, ao criar uma máquina de escrever em madeira jacarandá, com 16 pedais. Seu engenho recebeu a Medalha de Ouro do Imperador Dom Pedro II, na Exposição Agrícola e Industrial de Pernambuco.

Esse equipamento mecânico foi uma das mais importantes conquistas tecnológicas no início do século XIX. Nas décadas seguintes, houve uma demanda crescente pela mecanização do processo de escrita, dado que a máquina de escrever tinha potencial para registrar 130 palavras por minuto, enquanto uma pessoa, escrevendo à caneta, limitava-se a 30 palavras por minuto.

A partir de então a antiga “tic-toc-tac-tic” veio sendo aperfeiçoada, produzida em escala e tornando-se cada dia mais popular. Seus modelos foram sendo simplificados, tornando-a fácil de manusear e transportar. Além de, indiretamente ampliar as possibilidades do mercado de trabalho para a mulher, fazendo surgir a profissão de datilógrafa. 

Depois das máquinas manuais, vieram as eletrônicas. E, atualmente, os computadores as substituíram. Estão sendo, as que ainda restam, guardadas como relíquias do passado.  Faz parte da evolução tecnológica. 

As máquinas de escrever marcaram um tempo de vida, de criatividade e de mundo. Eis que uma pergunta me surge: seriam os escritores mais criativos ao bater nas suas teclas, inclusive em modelos que requeriam força nos dedos?

Tenho, porém, uma certeza: com toda a força que as máquinas exigiam dos seus datilógrafos, não se falava, na época, em tendinites!

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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