A dignidade das estantes de livros

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Ora vejam só essa! Aconteceu recentemente. Este ano, em meio a uma sessão
de trabalho virtual, uma estante de livros feita de papelão, que compunha a parede de
fundo da sala de um desembargador, desabou. O nobre jurista se levantou e ergueu-a
com tranquilidade e sem esforço algum.
Gostaria de deixar que o leitor tire suas conclusões.
Entretanto quero expressar meu indignado espanto, que é tanto que nem sei
que palavras vou encontrar para continuar a escrever a coluna. Coisa mais bizarra
pode haver? Por que uma pessoa que ocupa um cargo “importante para o bem-estar
da sociedade” decide usar uma estante de livros falsa para aparentar ser uma pessoa
culta, civilizada e instruída de conhecimentos? De fato, quem o é possui elegância
natural e tem charme para expressar suas ideias; é iluminado pela sabedoria. Não
precisa de subterfúgios, nem criar situações enganosas para se mostrar digna de
respeito. As aparências... sempre enganam. Por que não colocou atrás de si um
emblema, uma paisagem ou mesmo um fundo de cor discreta? Ora pois sim, seria
poupado do ridículo.
Quando pequena, fui a um apartamento, onde havia uma sala grande com
móveis bonitos e uma estante, que ocupava toda a parede lateral, com livros bem
arrumados, do mesmo tamanho, cujas lombadas tinham cores vibrantes e letras
douradas. Impecável. Devo ter ficado algum tempo com os olhos fixos na estante,
pensando sobre aqueles livros e as pessoas que os liam.
As voltar para casa, observei a estante ao fundo do corredor, sentindo alguma
decepção. Os livros não estavam dispostos exatamente um do lado do outro nem
tinham o mesmo tamanho. Alguns estavam, inclusive, deitados e sobrepostos. Uns
eram mais novos, outros exibiam lombadas envelhecidas. Uns nem as tinham. Ainda
havia uma prateleira minha, com livros infantis e revistas em quadrinhos não
totalmente arrumadas.

Confesso que todas as vezes que olhava para a estante do corredor da minha
casa, eu me lembrava daquela estante que parecia nunca ter sido tocada.
O tempo passou. Cresci. Gostei de ler e conheci o valor dos livros.
Um dia, felizmente, constatei que aquela estante do apartamento que visitei
quando criança era uma cilada aos ingênuos, como eu, que tinha a finalidade de
sugerir que naquele apartamento moravam pessoas importantes, que guardavam
conhecimentos que a maioria das pessoas não possui.
Sem mais palavras...

Publicidade
TAGS:
Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.