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A deficiência visual e a literatura
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Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”
Jorge Luis Borges
Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.
Não poderia deixar de ressaltar que o corpo humano tem capacidade extraordinária para adaptar-se às situações diversas e adversas, tornando-se apto a sobreviver e a interagir nos ambientes naturais e sociais. Um estudo publicado na “Plos One”, revista científica online, publicada pela Public Library of Science, que apresenta pesquisas primárias nas áreas da ciência e da medicina, divulgou um estudo que mostra as diferenças anatômicas, funcionais e estruturais entre pessoas cegas e as que não possuem deficiências visuais. Os pesquisadores do Schepens Eye Research Institute of Massachusetts Eye and Ear observaram que as diferenças estão associadas com a audição, olfato, tato e cognição de modo a capacitar o cérebro a compensar a ausência da informação visual. Sem a informação visual, as áreas motoras, auditivas e de linguagem são mais demandadas, fazendo com que o cérebro encaminhe para essas e outras áreas as informações não recebidas e amplie o aumento dos outros sentidos. O deficiente visual vê com o cérebro quase por inteiro.
Apesar de não ver, o cego tem os olhos abertos para o mundo, possivelmente mais do que aquele que possui o sentido da visão. Quem nasce cego, só sabe que o é quando alguém lhe diz.
A cegueira é um diamante à literatura, dado que a ausência da visão, total ou parcial, permite ao escritor estabelecer uma relação particular e profunda da vida. Ao escrever, o deficiente visual caminha pelo desconhecido com tranquilidade, sendo capaz de perceber com agudeza os detalhes e diferenças entre as circunstâncias que envolvem os fatos. A cegueira não lhe é silenciosa, tem a voz narrativa da inteligência emocional e espiritual com que percebe o mundo. O cego capta a realidade com os olhos da sensibilidade.
Vou citar alguns escritores que ficaram cegos ao longo da vida e revolucionaram a literatura. Tenho certo cuidado em citar Homero, autor de duas obras fundadoras da literatura universal, Ilíada e Odisseia, uma vez que não há comprovação da autoria dos seus poemas e pouco se sabe sobre a sua história. Conta-se que em Ítaca, ilha grega do Mar Mediterrâneo, Homero coletou dados para escrever sobre a vida de Ulisses, entretanto, nessa estadia, teve uma grave doença nos olhos que o cegou. Os poemas de Homero datam do século VIII ou IX a.C. e foram transmitidos através da tradição e recitação oral. Durante sua vida, Homero viajava de cidade em cidade, cantando seus poemas épicos nas cortes dos reis e nos acampamentos de guerreiros.
Luís de Camões, poeta português, considerado um dos maiores representantes da literatura em países de língua portuguesa, nasceu no século XIV, estudou filosofia e tornou-se poeta. Depois, soldado, perdeu um olho numa batalha no norte da África e teve que se afastar das atividades militares. Então, escreveu “Os Lusíadas”, obra de poesia épica, que ofereceu à língua portuguesa dignidade cultural e política.
Jorge Luis Borges, poeta, contista, ensaísta e crítico literário argentino é considerado como um dos melhores escritores do século XX. Ele ficou cego depois dos cinquenta anos devido a uma degeneração genética na retina. Mesmo sem a visão continuou a criar contos, vagando entre a filosofia e a fantasia, escrever poesias com lirismo e elaborar ensaios com rigor acadêmico.
Outros autores, como Aldous Huxley e James Joyce também foram deficientes visuais e nos presentearam com a profundidade com que captaram o mundo.
Por fim, encerro a coluna com uma frase de Clarice Lispector: “É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.”
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Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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