Ah, se eu pudesse viajar no tempo e visitar o meu passado...

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Seria uma jornada e tanto, mais do que uma aventura. Um resgate? Ou uma forma de compreender melhor o presente, que é a síntese do que vivemos. Nunca conseguimos compreender com plenitude o presente. Há indagações, questões mal resolvidas, sonhos longe de ser realizados, mágoas. Há várias brechas que tentamos preencher no presente. Enfim... Saber lidar com as dores e os hiatos do passado é uma sabedoria.

Estou impactada com os livros “Antes que o café esfrie – volumes 1 e 2”, do autor japonês, Toshikazu Kawaguchi, que não consigo parar de ler. Já li o primeiro volume e mais do que depressa passei para o segundo. O livro aborda uma breve viagem no tempo de personagens que sentem a necessidade de esclarecer algo que lhes aconteceu. Eles não podem modificar o passado, nem o presente, mas, nos poucos minutos que a viagem dura, entendem melhor as situações que ficaram sem solução, o que lhes vêm causando inquietações ao longo da vida.

Apesar da história ser fictícia, mexeu comigo a ponto de levar recordações para meus sonhos e compartilhá-las com o meu travesseiro. Não me despedi de tantas pessoas como eu queria. Se pudesse faria vários retornos para dizer o que não disse, ficar em silêncio, pedir perdão, abraçar, falar do meu amor, dizer não, concordar e outros gestos, atitudes e decisões. A vida é cheia de partidas... É efêmera!

O afeto, a perda, a gratidão, a amizade, o arrependimento dentre outros sentimentos universais e atemporais são intrínsecos à experiência existencial de cada um. “Antes que o café esfrie” é construído em estilo literário fantástico posto que viajar no tempo é fantasia. No entanto, a história nos mostra que não podemos deixar para depois o que é preciso fazer em cada momento. A vida é um acontecer que não permite repetições, pois nada acontece da mesma forma. O que passou, passou. Ponto final. Será que percebemos, nas entranhas de cada instante, a profundidade das situações e dos afetos? Os fatos, as reações das pessoas, as intenções estão misturadas e carregadas de sutilezas. O verdadeiro significado das coisas pode ficar perdido dentre tantas circunstâncias que nos cercam.

Muitas vezes não entendemos a simplicidade das situações, sempre guardada nos pequenos e imperceptíveis detalhes. Um olhar pode mostrar o que um discurso não diz ou basta uma palavra, apenas uma, para revelar a verdade. A memória guarda uma imensidade de percepções que, possivelmente, tempos depois é que vamos nos dar conta dos fatos.

Se eu fosse um personagem do livro gostaria de viajar no tempo para abraçar meu filho mais uma vez. Ao revermos o passado encontramos lacunas que nos deixam triste por não termos tido decisão ou atitude diferente da que tivemos.

De todo modo, através construção do presente vamos aprendendo a nos amar, a lidar com dificuldades e considerar quem está ao nosso lado.

“Era ainda jovem demais para saber que a memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas e que graças a esse artifício conseguimos suportar o passado”

(Gabriel Garcia Marquez)

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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