Voltando do paraíso

Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Conforme escrevi na minha coluna anterior meus 70 anos foram comemorados em Fernando de Noronha. Na realidade fui conferir o fato de ser esse arquipélago brasileiro rotulado de paraíso, seria isso verdadeiro? Afinal, como já estou mais para lá do que para cá é sempre bom ter contato com a terra prometida e saber como ela é.

Eu e minha esposa voltamos encantados com o que vimos, pois nesse arquipélago onde se respira natureza, essa foi generosa e dotou o local de praias e de uma fauna marinha que são verdadeiro colírio para os olhos. Mas, faço a ressalva de que o lugar é maravilhoso para aqueles que curtem a natureza, pois tirando o mar e as caminhadas pelas trilhas da ilha, resta pouco a fazer. Com relação à gastronomia, existem vários restaurantes de qualidade, com preços salgados, pois o local mais próximo de Noronha é a cidade de Natal, a 360 quilômetros da ilha. E aqui uma correção porque no artigo anterior citei Recife como a cidade litorânea mais próxima, e na realidade ela está a 500 quilômetros de distância e não 350, conforme foi publicado. Assim, todo o transporte de mercadorias é feito ou por avião ou navio. Isso encarece os produtos, daí em Noronha tudo ser mais caro.

É interessante ir uma primeira vez para se ter ideia do que vamos encontrar e voltar uma segunda, para melhor curtir. Por exemplo, fizemos dois passeios, um de barco e um chamado ilha tour, que se vai de carro e se faz um circuito de toda a ilha, visitando as principais praias. Gastamos R$ 1 mil, no entanto, se tivéssemos alugado um bugre, por quatro dias, teríamos gasto essa mesma quantia e visitado as mesmas praias, podendo voltar quantas vezes quiséssemos. Claro que como muitas delas estão dentro do parque nacional, tivemos de comprar um passe de duração de dez dias, que sai a R$ 110 para turistas brasileiros e R$ 190, para estrangeiros. Por termos mais de 60 anos, a carteirinha saiu de graça. No entanto, a taxa de estadia de R$ 70 por dia não tem escapatória.

Essa taxa se explica em virtude de Noronha não ter água a não ser aquela das chuvas que são recolhidas em açudes e da dessalinização. Além disso, a energia vem da produção de uma usina movida a óleo diesel, cujo preço do quilowatt é muito mais caro. O saneamento é muito bem feito, afinal são só cinco mil habitantes, com uma estação de tratamento, sendo o material tratado lançado numa praia sem acesso ao público e na parte externa, aquela que dá para o mar aberto, ou seja para o continente africano.

Só existem duas maneiras de se tornar ilhéu, ou sendo contratado para trabalhar e aí o patrão tem de dar alojamento, alimentação e fica responsável direto pelo cidadão. A outra é se casando com um/uma habitante regular. Após 30 anos na ilha, o cidadão tem direito de solicitar um terreno ao estado de Pernambuco, proprietário do território desde 1988, e construir sua própria casa, além de receber o certificado de residente. Antes esse prazo era de dez anos. No entanto, isso não impede que moradores atuais arrendem seus imóveis, daí o número elevado de pousadas em Noronha.

A construção em alvenaria é cara, pois tudo vem do continente e um milheiro de tijolos chega a custar R$ 3 mil; daí que estão surgindo muitas construções pré-fabricadas em madeira ou em containers. Fernando de Noronha tem um administrador escolhido pelo Governo do Estado de Pernambuco (é o único distrito brasileiro que pertence ao estado e não a um município), mas que não mora necessariamente na ilha. Isso é ruim, pois a conservação dos vários núcleos habitacionais deixa muito a desejar. Nossa pousada, aliás, era excelente e com uma equipe de primeira, a Pedras Secas, fica na Vila dos Remédios, a principal.

Deu-me vontade de trabalhar lá, como médico voluntário, pois isso não é difícil e eu teria direito a alojamento e alimentação, mas a temperatura constante de 30 graus durante o dia e 26 à noite faz com que o ar condicionado e a água para beber sejam os bens mais disputados do arquipélago. Tô fora.

Seus moradores regulares têm alguns privilégios, entre eles o da passagem gratuita de avião para Recife. Além do mais, as gestantes a partir do sétimo mês recebem uma moradia (hotel), em Recife, pois desde o final dos anos 90 não nasce mais ninguém na ilha, apesar de constar na certidão de nascimento que o bebê é natural de Fernando de Noronha. Assim não se corre o risco de complicações durante ou no pós parto.

Valeu a pena e uma visita a Fernando de Noronha é uma escolha e tanto.

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