Lauro Henrique, o flâner de Nova Friburgo

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Faleceu na semana passada aos 80 anos Lauro Henrique Alves Pinto. Tudo sobre ele foi escrito no site de A VOZ DA SERRA pela jornalista Adriana Oliveira na reportagem “Nova Friburgo perde a elegância de Lauro Henrique Alves Pinto”, publicada na última segunda-feira, 26. Recomendo a leitura para quem deseja conhecer a trajetória de vida de nosso querido Lauro.

O carioca Lauro Henrique me chamou a atenção por estar em todos os acontecimentos culturais na cidade. Era um flâner e como tal perambulava pelo centro da cidade, onde residia. Veranista habitué em Nova Friburgo estabeleceu domicílio no município no ano de 2015. Acho que fui a pessoa que mais soube tirar proveito da genialidade Lauro Henrique. Fiz uma entrevista com ele para o programa “A Velha Nova Friburgo” e dois documentários em sua residência, ocasião em que mostrou o preciosíssimo acervo que possuía. Além disso tenho outras entrevistas que fiz com ele mas que não divulguei ainda.

No acervo de Lauro Henrique livros raríssimos como um sobre a Guerra do Paraguai com ilustrações em aquarela, uma espada da Guarda Nacional do período republicano, de seu avô, um pince nez, uma boceta de rapé (caixa usada para guardar o tabaco em pó), gibis muito antigos, uma coleção de moedas desde o Império assim como notas de dinheiro de todo o século 20, xícaras antigas de porcelana, entre outros inúmeros objetos antigos.

De família de militares Lauro herdou uma pistola de soldados alemães da Segunda Guerra Mundial. Segundo Braulio Batista, armeiro da Polícia Militar que consultei, trata-se de uma pistola mauser C96 7,63mm Schnellfeuer. Mas uma das coisas que mais me encantou foram as cartas do avô de Lauro a sua avó quando noivavam, que datam de 1900, escritas em papel de arroz e passo a transcrever duas delas, na escrita original, para deleite dos leitores desta coluna.

“Sinhá. Rio de Janeiro, 18 de março de 1900. Acabo de chegar e bem vês imediatamente te escrevo. Aliás não podias esperar que assim não acontecesse, sabendo bem a sinceridade do sentimento de affeição que te dedico, a tal ponto extremado que tem absorvido in totum os meus pensamentos e affirmo-te absorvel-os-ha para sempre! Em ahi estando, todo o meu orgulho, o meu prazer único, seria gozar do delicioso título de teu noivo pelo menos durante tres dias e sabes bem o quanto fiz para alcançal-o. Infelizmente, só no momento da minha despedida, e mesmo assim de modo tácito, concedeste-me tal ventura, tornando-me desde aquelle instante inexquecível o mais feliz dos mortaes. Sim o mais feliz sel-o-hei porque, esforçando-me para tornar-te a vida amena e venturosa, sentir-me-hei igualmente feliz e venturoso. O meu pezar unico é que haja de esperar trezentos e tantos dias para a realização dos meus sonhos de ventura e que tenha de contar 24 longas horas em cada uma dellas! Enfim, durante este longo tempo terás para mim uma existencia puramente subjectiva, imaterial e reinarás no meu espirito de modo absoluto, despótico, omnipotente e terei ipso facto uma compensação de bem-estar relativo. Seria mentir a mim proprio dizer ser a confiança que em ti deposito limitada, eivada de jaças; não! Afirmo o contrario. A tua altivez natural, o teu rosto bello e sereno, indicam bem sentimentos nobres, caracter superior, vontade firme e inabalavel. Confio em ti cega e ilimitadamente. És digna deste conceito. Recommendo-me aos que te são charos[caros]. Aceita um aperto de mão, saudoso e sincero do teu noivo. Christiano.”

Segue a segunda carta. “Rio de Janeiro, 15 de junho de 1900. Sinhá. Ainda sob o domínio da agradavel impressão dos momentos inexquecíveis que ahi passei, tomo da pena para comunicar-te a minha chegada n’este mesmo instante a esta capital. Assim procedendo tenho satisfeito á posteriori o dever de agradecer-te as attenções e amabilidades com que que recebes-te e á priori a necessidade que suponho evidente, de dar-te ensejo de escrever-me respondendo esta. Estou bem certo que assim o farás porque m’a promettes-te firmemente no momento da minha despedida tendo além d’isso occasião de me remeteres a medida para o vestido, que eu desejo seja completa, isto é, que acompanhe a das mãos e a dos pés(comprimento e altura). Não supponhas ser exigencia minha fazer o pedido com certa urgencia pois que, sendo um pouco cedo ainda para tratar-se do teu enxoval, a modista d’elle encarregado parte no dia 25 deste para Pariz, e desejaria que elle viesse prompto da capital da França. Comquanto fosse dever meu e houvesse prometido despedir-me de D. Elizena e Dondona, não o pude fazer porque a fogueira de Santo Antonio estava tão agradável que me prendeu com os seus reflexos auri-caloricos, até 1 hora da madrugada, como bem viste. Espero que apresentes ás mesmas as minhas desculpas, dando-lhes ao mesmo tempo minhas recomendações e saudades. Envie-as egualmente ao Sr. Totó e D. Agostinha. Sem mais por hoje, dispõe como quiseres. Do teu noivo Christiano.”

Assim como flanava pelo centro de Nova Friburgo, Lauro Henrique flana nesse momento ao lado do Senhor. Paz a sua alma.

  • Foto da galeria

    Carta escrita em 1900 em papel de arroz

  • Foto da galeria

    Lauro exibe a pistola mauser da Segunda Guerra Mundial (Acervo pessoal)

  • Foto da galeria

    Lauro Henrique quando criança, tendo sido a música sua grande paixão

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