A enfermaria de beribéricos da Marinha

quinta-feira, 25 de março de 2021

Última parte

Em 25 de julho de 1889 foi inaugurada em Nova Friburgo uma enfermaria provisória na Rua General Osório para tratamento de oficiais e praças da armada acometidos de beribéri. Tudo indica que duas foram as razões para a escolha de Nova Friburgo. A primeira foi a salubridade do clima das montanhas e a segunda o uso da hidroterapia, notadamente das duchas, do Instituto Sanitário Hidroterápico instalado no centro da cidade.

As sessões de duchas no Instituto eram iniciadas às 6h da manhã e as praças vinham por turmas, levando aproximadamente uma hora e 20 minutos todo o tratamento. Não havia consenso entre os médicos sobre o benefício do uso das duchas para o tratamento do beribéri. Mesmo os que defendiam o seu uso faziam, no entanto, restrições relativas ao momento em que as duchas deveriam ser empregadas. Haviam médicos que afirmavam que a influência benéfica do clima de Nova Friburgo tinha um papel muito mais relevante no restabelecimento ou melhora dos enfermos do que o uso das duchas.

Em um mapa elaborado pelo dr. Galdino Cícero de Magalhães, diretor da enfermaria de Friburgo, há informações sobre as duchas aplicadas em 50 pacientes durante 34 dias, no período de 29 de julho a 31 de agosto. Segundo o médico os paralíticos usavam as duchas quentes e frias, estas últimas denominadas de escocesas. Já os que podiam caminhar eram submetidos apenas às duchas frias. Conforme o diretor, a hidroterapia era um tratamento de primeira ordem para o beribéri oferecendo sólidas garantias de curabilidade. Não havia registro de efeitos colaterais na utilização das duchas.

Em setembro de 1889 um editorial publicado no Diário de Notícias intitulado “O beribéri na Marinha” contém severas críticas às condições sanitárias da enfermaria de Nova Friburgo, em relação a superlotação. Conforme o jornal, as enfermarias nos dois prédios não poderiam comportar mais de 35 doentes, mas a lotação era bem superior. Em uma das inspeções haviam 54 enfermos. “O que este papel apresenta em relevo são os defeitos higiênicos das enfermarias ora existentes ali, em geral acanhadas, com pouca elevação acima do solo, desprovidas de sentinas asseadas, algumas sem água, sob o mais grosseiro sistema de esgotos por meio de calhas descobertas que envenenam a atmosfera e vão enfestar o rio; não se oferecendo sequer nestes estabelecimentos o mínimo da capacidade normal para os doentes aglomerados em número de 47, em um espaço que mal poderia comportar 35.”

O dr. Magalhães se defendeu declarando que os dois prédios comportavam 50 leitos e que a distância entre eles era de mais de um metro. “As sentinas são asseadíssimas, não exalam o menor odor, ambas têm o seu encanamento até o rio e são lavadas algumas vezes por dia.(...) Nesta vila não há encanamentos de materiais fecais, algumas casas usam valas, outras servem-se de urinóis e os despejam no rio.” Continua o diretor. “É certo que tem havido alguma repugnância da parte do público na promiscuidade com as praças, mas não pelo receio do contágio. Grande parte dos doentes do estabelecimento [hidroterápico] compõem-se de beribéricos e seria ridículo que tivessem medo de outros beribéricos.

O dr. Theodoro receia que havendo grande afluência de clientes no fim do ano torna-se difícil duchar as praças da armada e neste sentido tem conversado, mas nunca pensou em fechar o estabelecimento à Marinha, o que é coisa muito diversa de fechar as portas. Já combinamos em alterar a hora, começando no verão as duchas às 5h da madrugada.” Havia sido noticiado que o diretor do Instituto Sanitário dr. Theodoro Gomes decidira pôr termo ao tratamento das praças da armada “pois que a ideia de contágio que se tinha insinuado no espírito do povo e a promiscuidade das praças com os seus doentes que procuravam as duchas produzia a repugnância, obrigando-os a abandonar a casa [Instituto].” Lembrando que acreditava-se que o beribéri era uma doença contagiosa, o que não é, mas apenas uma deficiência vitamínica.

Ainda segundo o jornal o diretor do estabelecimento ameaçou suspender a aplicação das duchas aos doentes da armada. O ministro da Marinha, Barão de Ladário, parece não ter gostado da suposta decisão do diretor do instituto e mandou recado em carta publicada pelo Jornal do Commercio: “Nunca pretendi manter ali definitivamente naqueles prédios a enfermaria em Nova Friburgo ou qualquer outro ponto semelhante. O governo cogita de estabelecer um edifício mais vasto e apropriado a um hospital para beribéricos e convalescentes da armada.(...) Sobre a deliberação tomada pelo diretor do estabelecimento hidroterápico, sentindo a falta de seu valioso concurso, vou tratar de remover a contrariedade tomando providências que o caso exige.”

A Marinha iniciou negociações com a viúva do Dr. Carlos Éboli para a compra do Instituto Hidroterápico. No entanto Rui Barbosa que frequentava assiduamente a cidade serrana protestou contra esta aquisição. Em carta aberta publicada na imprensa argumentou que a Marinha iria instalar um “centro de peste” ameaçando a salubridade de Nova Friburgo. O jurista venceu a batalha retórica e anos depois a Marinha adquiriu o pavilhão de caça da família Clemente Pinto onde se encontra até hoje.  

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    A Marinha adquiriu o pavilhão de caça dos Clemente Pinto.

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    As duchas como parte do tratamento hidroterápico.

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    Instituto Sanitário Hidroterápico de Friburgo.

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