A triste história da mulher mais rica da África

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 02 de junho de 2021

Bastou o pai deixar o governo para que começassem as perseguições

Creio que até mesmo você, leitor, que tem um coração de pedra, e se tivesse dois o outro seria uma pedreira completa, haveria de se comover com a situação de uma distinta senhora africana que vê diariamente seus dois milhões e quatrocentos mil dólares se esvaírem feito água jorrando em torneira com defeito. Ela diz que é dinheiro mais limpo que a consciência de um recém-nascido, o governo diz que é mais sujo do que a fralda de um bebê que já se alimenta de papinhas. Pensando na velhice, como deve fazer qualquer pessoa prudente, a coitada juntou esses trocadinhos durante os trinta e dois anos em que o pai dela foi presidente do país e ela, presidente da petrolífera local, ou seja, a Petrobras deles.

O mais comovente da história é que, tendo sua fortuna bloqueada, aquela que era a mulher mais rica da África anda passando dificuldade para pagar as contas. Não demora muito, cortam a luz e a água de sua mansão. Tudo bem que a África não é os Emirados Árabes, nem a Alemanha, nem os Estados Unidos, mas mesmo lá ser a mulher mais rica não é pouca coisa. Por outro lado, considerando que o Fundo Monetário Internacional calcula que 24 bilhões de dólares desapareceram misteriosamente dos cofres públicos durante o governo do pai, até que a filha foi modesta, ficando, salvo erro de conta da minha parte, com apenas dez por cento do butim.

Pois bastou o pai deixar o governo para que começassem as perseguições. Dizem que ela, além de tirar uns trocadinhos da empresa de vez em quando, ainda participava de falcatruas em outros setores do governo, numa admirável prova de versatilidade e dinamismo. Há quem diga que lá, como em outros países (diferentes do Brasil, é claro), os pais costumam não enxergar as malandragens dos filhos, talvez não de propósito, mas por estarem sempre muito ocupados com suas altas responsabilidades na condução e moralização da República.

E essa madame ainda contou com a sorte de não ter posto a grana em bancos da Inglaterra, onde acaba de ser aprovada uma lei que amplia as possibilidades de o governo congelar o dinheiro que entra nos cofres do país sem explicar direitinho de onde veio e para onde vai. Dizem as autoridades que Londres, sendo uma das principais praças financeiras do mundo, se facilitasse, facilmente viraria um novo paraíso fiscal. Claro que isso deixaria a rainha muito irritada, e nunca convém irritar uma soberana que está sentada no trono há mais de setenta anos.

Eu confesso que não fiquei preocupado com essa medida, porque não tenho dinheiro nem na África, nem na Inglaterra. Para falar a verdade, nem no Brasil. Também... meu avô era funileiro, profissão que nem existe mais e meu pai, eletricista, que, como sabem os eletricistas de todo o mundo, é um trabalho que não permite a ninguém fazer fortuna. Já meu bisavô era mais abonado, posto que tinha uma carroça e com ela prestava muitos e valorosos serviços ao comércio e à indústria de nossa cidade, nos idos de 1900.

Não ser milionário tem seus inconvenientes, mas ao menos nos livra da triste experiência de, numa das muitas voltas que a história dá, perder dinheiro e ainda por cima ganhar cadeia.

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