Sobre jabuticabas

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Estou pensando em me oferecer um diploma

Creio que foi em Santa Catarina que se deu mais esse fato esquisito do infindável rol de esquesitices brasileiras. É mais uma jabuticaba. Como sabem os ecológicos leitores, diz-se que é uma jabuticaba alguma coisa que não existe em lugar nenhum do mundo, só mesmo aqui. Por exemplo, a citada fruta, cujo nome, garantem os dicionários, vem do tupi iawotikáwa. Imagine se você fosse um curumim tupi e tivesse que gritar: “O pé de iawotikáwa está carregado!” Antes que você tivesse terminado a frase os outros moleques da aldeia já teriam devorado tudo. A jabuticaba é nossa de nascença, mas só continuam sendo nossa porque nenhuma potência mundial se interessou por ela, do contrário teriam feito o mesmo que fizeram com a madeira, ouro, prata e tudo o mais que puderam carregar.

Em todo caso, esquisitice não é exclusividade nossa, existe em todo lugar. Na Índia, para dar a ela coragem na vida, costumam jogar a criança recém-nascida do alto de um prédio, enquanto lá embaixo algumas pessoas a esperam com um lençol esticado. Vai que uma dessas pessoas tira a mão do lençol para coçar o sólido nariz ou espantar uma esvoaçante mosca. Na Rússia, quem chega atrasado tem, por castigo, que engolir vários copos de vodka, sendo que muito russo deve se atrasar de propósito. Também entre nós ia faltar cachaça, se os retardatários fossem obrigados a tomar umas doses.

Falando nisso, vocês já devem ter ouvido a história do voo em que faltou comida. As comissárias de bordo lamentaram que só houvesse quarenta refeições para os trezentos passageiros. E acrescentou que aqueles que abrissem mão da refeição poderiam receber bebida grátis e à vontade. Resultado: no fim do voo estavam sobrando quarenta refeições e faltava bebida, o que prova que as pessoas que bebem são muito solidárias e generosas. Eu, se estivesse presente, ia perguntar se não dava para ficar com meia refeição e meia bebida.

Mas, voltando à jabuticaba. Um oficial da PM catarinense recebeu uma medalha e um diploma concedidos pela corporação. Até aí, nada de mais, nada mais justo de que homenagear os policiais que se destacam no honroso serviço que prestam à população. O que é um pouco de se estranhar — ou pelo menos seria estranhável em países que não têm jabuticaba — é que o diploma foi assinado pelo próprio homenageado. Ou seja: o nobre soldado homenageou a si mesmo. Diga-se, em sua defesa, que ele não participou da reunião em que o assunto foi tratado e até declarou que o diploma não deveria ter sido emitido. Quanto à sua assinatura, foi explicado que era eletrônica e, mais, que não era de sua competência indicar ou vetar nomes para aquela honraria. Mas nem por isso deixa de ser uma jabuticaba. Ainda mais porque o presidente da comissão estava presente e ainda assim não se julgou impedido de ser igualmente agraciado.

Eu também gosto muito de homenagens. Recebo muito poucas e muito mais do que mereço. Mas agora que aquele nobre militar deu o exemplo, estou pensando em me oferecer um diploma, com algum elogio que não seja muito exagerado. Para não dar na vista, vou pedir à minha mulher que assine e faça a entrega. O perigo é que ela pode olhar o papel e dizer: “Mas como é que eu vou assinar uma mentira dessas?!”

Publicidade
TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.