Problemas e soluções japonesas

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 04 de março de 2020

Não é à toa que eles têm aqueles olhinhos fechados de quem está sempre olhando além das aparências

Se você é cronista e está sem assunto, volte-se para o Japão, cuja cultura é tão diferente da nossa que frequentemente nos surpreende. Em geral, para nos deixar humilhados com a superioridade deles, que não falam alto em público, caminham sobre calçadas que brilham de tão limpas e constroem um hospital em dez dias. O mais espantoso de tudo é que falam o idioma japonês desde criança, coisa que marmanjo brasileiro nem se atreve a tentar e ainda acha que gueixa é um tipo de fruta, haicai é uma luta marcial e samurai é nome de um poeta.

Eu já contei para vocês a história das velhinhas viúvas e solitárias que roubavam descarada e repetidamente nas lojas, até que a justiça, cansada de repreendê-las, manda prendê-las. Era tudo que elas queriam. Na prisão elas têm boa alimentação, um quarto confortável, atendimento médico permanente e muita companhia, que era o que mais lhes faltava lá fora. Difícil é convencer as velhinhas que a pena delas já terminou e elas têm que sair. Liberdade é muito bom, mas não se compara a uma prisão cinco estrelas.

Mas nisso não precisamos invejar os nipônicos, que nossas cadeias também são um luxo, contanto que o condenado seja rico, famoso, ou poderoso. Se for as três coisas juntas, aí então é que estar preso é um repouso glorioso e uma glória repousante. Agora mesmo está circulando nas redes sociais o vídeo de um ex-governador fluminense que, condenado por corrupção, ficou uns mesezinhos na cadeia e logo mereceu desfrutar do regime semiaberto. Ou seja, trabalhar de dia e voltar para a cela à noite. Pois no vídeo, Sua Ex-Excelência está curtindo um belo churrasco com os amigos em plena luz do dia. Bem, talvez ele seja churrasqueiro e estivesse trabalhando.

Também já lhes contei que, nos tempos idos, quando um cidadão japonês fazia cem anos, recebia do governo uma taça de prata. Mas cresceu tanto o número de centenários, tanto são os japoneses e japonesas que insistem em continuar respirando depois dos cem, que o governo reduziu o brinde a uma miniatura. Sem essa providência, a mania nipônica de nunca morrer acabaria levando a economia do país à falência, tantas eram as taças a serem distribuídas.

Pois bem, foi justamente o envelhecimento da população da Terra do Sol Nascente que me chamou a atenção. Ou, mais propriamente, os planos do governo para atenuar essa situação. Com um terço da população em idade avançada, a perspectiva é que dentro de poucos anos o número de idosos seja tão grande que não haverá bastante gente em condições de tocar a economia do país e, dentre outros desafios, sustentar os velhinhos. A permanecerem os japoneses tão ineficientes no campo reprodutivo (logo eles, que são tanto eficientes no campo produtivo), o Japão continuará perdendo nada menos que um milhão de habitantes por ano. Verdade que japonês vive muito, mas também morre, ainda que seja depois dos cem.

Pois aí é que entra a criatividade japonesa. Não é à toa que eles têm aqueles olhinhos fechados de quem está sempre olhando além das aparências. A solução, meus amigos, os brasileiros conhecem bem. É, dito de uma maneira pouco poética, fazer filhos. As autoridades daquele país promovem excursões para moças e rapazes viajarem juntos, criaram o Centro de Suporte ao Casamento e um aplicativo na internet que significa algo como “procura-se um parceiro”. Enfim, o governo quer que os jovens se casem e se multipliquem, e para isso está fazendo a sua parte. O resto compete aos jovens, que precisam parar de estudar e trabalhar até altas horas da noite e ir para o quarto cumprir o dever patriótico de rejuvenescer a população do país.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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