Por una cabeza

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Um votinho a menos e ele não teria ido para o cadafalso

Um voto é apenas um voto. Ou seja: muito pouco. Mas às vezes um mísero votinho pode fazer grande diferença. Por exemplo: todos nós sabemos que Maria Antonieta, rainha da França, não era a rainha da simpatia. Tanto que era depreciativamente chamada de "a Austríaca", como se ter nascido na Áustria fosse em sim mesmo um defeito (embora de lá também tenha nos saído Adolf Hitler). Mas assim o povão e até mesmo gente da corte se referiam a ela, sempre às escondidas, que ninguém era besta de falar às claras qualquer coisa que desagradasse a Sua Majestade. Também o marido, Luís XVI, não era lá essas coisas, basta dizer que se casou no palácio e na Igreja aos quinze anos, mas só sete anos depois se casou na cama. Enquanto isso, dizem as más línguas, Maria Antonieta ia se divertindo como podia e com quem podia.

Portanto, não era nada de se estranhar que todo mundo acreditasse na lorota segundo a qual Maria Antonieta, durante um passeio pelas ruas de Paris, teria perguntado por que lá do lado de fora de sua luxuosa carruagem só tinha gente de cara infeliz, gente com cara de quem passava fome. "O povo não tem pão", responderam-lhe. A rainha, como ainda hoje fazem os políticos em campanha, rapidamente deu solução para o problema: "Se não têm pão que comam brioches". Uma santa! Uma anta! Para encurtar a conversa, direi que Sua Majestade perdeu completamente a cabeça ao ser guilhotinada, numa das mais famosas consequências da Revolução Francesa. Como se sabe, mais de 2.500 cabeças rolaram naquele período, inclusive a de um tal Jacques-René Hérbert, o jornalista que estava entre os principais caluniadores e acusadores da rainha. Enfim, provou do próprio veneno.

Agora vejamos o que Maria Antonieta tem a ver com um voto a mais ou a menos. Pois bem, o marido dela, o já citado Luís XVI, foi julgado pela Justiça, se é que se pode chamar de justiça julgamentos motivados por rancor e medo, dois sentimentos que o rei ainda inspirava. Votaram 721 jurados, 360 pela absolvição do réu. Não é necessário fazer muita conta para concluir que Luís XVI foi condenado por 361 votos. Um votinho a menos e ele não teria ido para o cadafalso, nem ele nem sua esposa, a até hoje tão (mal) falada Maria Antonieta.

Outra situação em que um voto fez tremenda diferença foi na Revolução Americana. Dentre as muitas questões que a nova nação tinha a resolver, figurava a da escolha do idioma. Porque o que mais tinha na América do Norte da época era estrangeiro. Ainda hoje se diz que em Nova York são falados 800 idiomas diferentes, tal é o número de gente de todos os cantos do mundo que lá se acotovela. Em 1775 não era tanto assim, mas um casal falando hebraico podia facilmente passar por dois carpinteiros que discutiam em francês ou por alguns moleques que se xingavam em holandês. Mas os dois principais concorrentes ao Oscar de idioma nacional eram mesmo o alemão e o Inglês. No fim da apuração, o Oscar foi para o inglês, que superou o alemão por um voto, por apenas um votinho! Ou, como se diz nas corridas de cavalo argentinas: “Por una cabeza”.

Assim se explica porque hoje em dia é muito mais comum ouvir-se um cantor romântico dizendo “I love You” do que “Ich liebe dich”.

Publicidade
TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.