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Para quem quer vida mansa
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Você fica dispensado de querer salvar a alma
Você pode não gostar de viver no Brasil, e não sou eu que vou dizer que você não tem motivos. Eu, se dependesse de mim, trocava “Ordem e Progresso” da nossa bandeira por “Justiça e Paz”, que são condições necessárias para que a ordem e o progresso se tornem realidade. Mas aqui estamos, vamos fazendo o que é possível para não piorar a situação. Até porque, se o Brasil não é o melhor lugar do mundo, também não é o pior. Por exemplo: basta você passar um dia na Coreia do Norte para ficar morrendo de saudades do nosso país (se não morrer antes por outro motivo). Vou dar aqui alguns exemplos da vida mansa que você poderá levar naquele país asiático.
O atual mandatário é um baixinho barrigudo, que atende pelo nome de Kim-Jong-Un. Respeitá-lo é muito pouco, é preciso adorá-lo. Questão de vida ou morte. Se você cochilar durante o discurso dele, vai ofendê-lo gravemente e o mais provável é que você seja condenado a passar uma boa temporada num campo de concentração. Trabalhando, que lá não tem esse negócio de ficar no triplex com tornezeleira eletrônica. Tem mais é que quebrar pedra com marreta.
Essa adoração se estende, ainda que em menor grau, aos demais poderosos do país. Acima de todos está Kim-Il-Sun, pai de Kim-Jong-Un (Kim significa “querido”, é título exclusivo da família do ditador e deve sempre anteceder o nome do amado líder). O velho Kim faleceu em 8 de junho de 1994. Pra quê?! Esse dia passou a ser dia nacional de luto. E aí, nessa data, é proibido rir, dançar, tomar uma cachacinha ou mesmo falar alto. A menos que você ache divertido encarar pelotão de fuzilamento.
E se você, econômica leitora, vive torrando dinheiro em lojas e salões de beleza, inventando um corte de cabelo a cada mês, talvez não se dê bem com a moda norte-coreana. Lá existe uma lista dos cortes e penteados permitidos. Calça comprida para as mulheres, nem pensar. Biquini? Tá maluca mulher, tá querendo ser fuzilada?! E não tem esse negócio brasileiro de ficar inventando nomes, o que entre nós obriga a vítima a carregar vida afora o peso de chamar-se Childérico, Onestaldo ou Waternilda.
O povo pode ser pobre, mas não preguiçoso. A semana se constitui de seis dias de trabalho e um de folga. A folga consiste em realizar trabalhos “voluntários”, tais como consertar o calçamento das ruas. Essa norma vale também para as mulheres, que, ao invés de ficarem passeando com seus pets, vão carregar paralelepípedos, exercício ótimo para emagrecer e manter a forma física. E, em caso de incêndio, não se meta a besta de salvar seu filho primeiro. A primeira coisa a ser feita é salvar as fotos dos líderes da nação (é uma danação mesmo).
Há várias outras vantagens em se viver na Coreia do Norte. Por exemplo, você não precisa pensar em carreira profissional ou escolher onde morar. O governo decide se você vai ser engenheiro ou pintor de paredes, se vai morar na capital ou nos confins do Judas. Como é proibido ler a Bíblia, você fica dispensado de querer salvar a alma. Adorar, só à família Kim. É Kim no céu (Kim-Il-Sun) e Kim na terra (Kim-Jong-Un).
Também é falta gravíssima (sujeita à prisão ou pena de morte) fazer ligação internacional, ler obras estrangeiras, sonhar (ainda que em sonho) com a Coreia do Sul, acessar a internet, vestir coisa parecida com calça jeans, usar, na prática de esportes, as mesmas regras do mundo democrático, viajar para o exterior, ver filme estrangeiro, e por aí vai. A vantagem é que existem eleições livres. O eleitor pode votar em qualquer um dos candidatos escolhidos pelo governo.
Bem, acho que já deu para se ter uma ideia da maravilha que é a vida em terras norte-coreanas. Só mais um aviso, que pode ser de especial interesse para você, caro leitor: maconha é crime. O último que experimentou morreu gloriosamente, fuzilado na frente de 150 mil pessoas.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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