Para manter-se ocupado

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Não deve ser fácil satisfazer a tantas esposas sem perder a majestade

Durante a quarentena a que estamos obrigados neste que será para sempre lembrado como “aquele ano”, cada um faz o que pode para se manter ocupado e ocupar os outros. Tem de tudo: música nas varandas, corrida pelos cômodos da casa, gente que nunca tinha fritado um ovo fazendo almoço para a família inteira. Sem falar nas lives, que põem na tela da TV cantores, chefs, filósofos, gente de variados talentos colaborando para que nós passemos as horas (ou, mais propriamente, para que as horas passem por nós). Até a propaganda dos bancos se humanizou: ao invés de falar em dinheiro, falam em amizade; ao invés de falar em juros, falam em esperança. Tudo com a santa intenção de nos manter longe do inimigo que está de tocaia lá fora.

No meio de tanta criatividade, não vi ninguém mais criativo do que o rei da Tailândia, que, não querendo arriscar sua imperial saúde, foi se hospedar num luxuoso hotel dos Alpes alemães. O tal Rama X é, como se vê pelo título, o décimo de sua dinastia, inaugurada no século XVIII pelo Rama I, cuja ramagem vem se estendendo até os dias atuais. A bem da verdade, não se pode dizer que Sua Alteza tenha estado em confinamento, nem que tenha encontrado dificuldade para gastar as horas.

Aos 67 anos, o monarca não se dá por vencido e levou consigo 20 concubinas. Ou seja: não lhe deve ter faltado com que se ocupar, pois não deve ser fácil satisfazer a tantas esposas sem perder a majestade. Certamente para se poupar um pouco ou porque em seu país o vinte e um é o número do azar, o rei deixou a primeira-dama oficial na Suíça. Até vinte, tudo bem, mas vinte e uma é demais.  Verdade que o mês tem trinta dias, mas tem também trinta noites, portanto sobram apenas nove luas para o descanso, isso se alguma das acompanhantes não pedir bis.

Mas Rama X não é o campeão dessa modalidade. Basta lembrar que Salomão, o homem mais sábio da Bíblia, teve mil e tantas esposas, não faltando quem ache que só uma já é sinal de pouca sabedoria. Até já houve quem dissesse que o segundo casamento é a vitória da esperança sobre a experiência. Mas toda a sapiência de Salomão não o impediu de casar-se com mulheres dos mais diferentes povos e deuses e apaixonar-se de tal forma por Betsabá que mandou o marido dela para a guerra, com a esperança de que ele de lá não voltasse vivo. Depois, há de ter pensado: “Bem, já que ela está viúva...”

Certa vez me falaram sobre uma senhora que não é do tempo de Salomão, nem de tão distante quanto a Tailândia, mas daqui mesmo e de poucos anos atrás. Pois essa senhora, me disseram, teve quatro maridos. Com a prudência, no entanto, de ocupar-se com um de cada vez e esperar que um morresse para aceitar outro em sua cama. Viúva quatro vezes, ainda ficou em bom estado e disponível para o quinto casamento. O qual não aconteceu porque, é o que dizem, os possíveis candidatos ficaram com medo daquela mulher que amava ardorosamente, mas que justamente por ser tão ardorosa era garantia de morte para quem ousasse provar do seu amor fatal.  Tem perigos que nem o rei da Tailândia encara.

Enfim, melhor contentarmo-nos com uma só, o que, se pensarmos bem, é mais do que merecemos. Afinal, diz o Livro dos Provérbios que “Quem encontra uma esposa encontra algo excelente”. E, acrescento eu, suficiente para nos deixar ocupados e felizes, não só durante uma quarentena, mas durante uma vida inteira.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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