O melhor dos mundos

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O mundo nunca foi melhor nem pior, foi sempre o mesmo, porque habitado pelo mesmo homem

O iluminista francês Voltaire disse certa vez que “O mundo é um caos de trevas e horrores”, mas teve também momentos de menos pessimismo, como quando afirmou que “Há mais bem do que mal no mundo”. Deve haver um grão de verdade em ambas as opiniões, pois os fatos diariamente comprovam que, se este não é o mundo dos nossos sonhos, também não é o dos nossos pesadelos.  O certo é que melhoraria muito se chegássemos a compreender o quanto estamos ligados uns aos outros e a todas as coisas do Universo.

Num livro admirável, “Terra dos Homens”, Saint-Exupèry repete a fala de seu amigo Prevot, que tinha estado perdido no deserto e sem forças para andar: “Se eu fosse sozinho no mundo, eu me deitaria”. Mas a convicção de que sua fraqueza enfraqueceria todos os homens fazia-o continuar andando. A lição de Prevot é que, quando renunciamos à luta, não é apenas por nós próprios que nos rendemos, é também pelos outros, pelos que nos esperam, pelos que esperam de nós, pelos que virão depois de nós.

Outro herói de “Terra dos Homens”, Guilloumet, tendo caído nos Andes com o seu avião, andou cinco dias e quatro noites na neve. “Os Andes, no inverno, não devolvem os homens”, diziam. E era verdade. Mas Guilloumet sobreviveu, foi mais forte do que suas próprias forças porque, conforme confessou mais tarde, não lutava por si, mas pelos que o esperavam: “O que fiz, palavra que nenhum bicho, só um homem era capaz de fazer”, dizia ele com justificado orgulho.

É graças a homens assim que este mundo não é apenas “um caos de trevas e horrores”. Hitler, por exemplo, planejou um mundo bem pior e quase chegou a pô-lo em prática. Há, sim, muita tristeza por todo canto. Muitos morrem nas guerras, outros morrem numa luta igualmente triste, que é a necessidade de matar a fome todos os dias, sem ter com que fazê-lo. Homens que vagam pela cidade durante o dia e dormem à noite em camas de jornais. Crianças abandonadas, velhos sob as marquises. Os bêbados nos botequins, os presos nas suas celas, os loucos nos hospícios, para onde foram mandados pelo crime de ver distorcido um mundo que, mesmo sem a ajuda da loucura, já é bastante torto.

Mas resta a esperança. O otimismo ingênuo é até ridículo nestes tempos de sombras e trovoadas, em que o inimigo é invisível e implacável. Descrer de tudo, porém, negar a luz da vela porque tudo o mais está apagado, seria o maior dos equívocos. A desesperança sim tornaria a vida “um caos de trevas e horrores." A luz da vela, talvez por ser tão fraca, sobreviverá aos ventos e tempestades, se as enormes centrais elétricas e nucleares desabarem. O cavalo de Átila queimou a grama por onde passou, mas a grama, teimosa, voltou a nascer naquele chão estorricado.

 Olhando para trás, vemos que o mundo nunca foi melhor nem pior, foi sempre o mesmo, porque habitado pelo mesmo homem. Mas sempre houve alguns que mantiveram a fé na humanidade e no futuro e por causa disso rezaram, escreveram, morreram. Lutaram, enfim, para deixar o mundo melhor do que o haviam encontrado. Foram poucos, talvez, mas um grão de trigo bem plantado pode desencadear uma energia que mil plantações de joio não chegam a ter.

Como hoje é um dia de muitas citações, retorno a Voltaire:

“Todas as grandezas do mundo não valem um bom amigo”.

“O mais competente não discute, domina sua ciência e cala-se”.

“O trabalho poupa-nos de três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”.

“´É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”.

“Todo homem é culpado do bem que não fez”.

E para finalizar, esta, do escritor norte-americano Richard Bach: “Eis aqui um teste para verificar se a sua missão na terra foi cumprida: se você está vivo, não foi”.

 (E não deixem de ler “Terra dos Homens).

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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