Lembranças bancárias

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Quando se é jovem tudo é bom, ou pelo menos não é ruim por muito tempo

A maior prova da solidez do sistema financeiro nacional é que eu fui bancário por três anos e nem o banco faliu nem o sistema entrou em colapso. Considerando a minha pouca ─ pra falar a verdade nenhuma ─ simpatia por números, contas, algoritmos, tabelas ou qualquer coisa que lembre a matemática, foi um milagre. Somente a existência do anjo da guarda dos banqueiros explica que eu tenha sido caixa sem provocar uma quebradeira nacional. Deixando a modéstia de lado, declaro que, se não dei grandes lucros aos banqueiros que me empregavam, também não os levei à bancarrota.

No banco exerci as mais augustas funções e de algumas sempre me lembro quando ouço falar em PIX e outras modernidades. Por mais incrível que pareça, entre as minhas altas responsabilidades constava a de ir ao Rio de Janeiro, às segundas-feiras cedinho, para buscar o dinheiro que iria abastecer a agência durante a semana. Lá me encontrava com um colega que já chegava munido de uma grande bolsa de couro, a qual, abarrotada de cédulas, subia a serra conosco pelo ônibus da Viação Friburguense. De modo que posso orgulhar-me de ter sido também guarda-costas e de muito ter contribuído para que os clientes, ao chegarem à agência, encontrassem os caixas abastecidos.

Também era superadiantado o sistema de compensação de cheques. Nada desse negócio de número transitando nas nuvens, via internet. Ao longo do dia, um funcionário mais ralé (por exemplo, eu) ia recolhendo os cheques, separando e somando. No fim do expediente, lá ia ele para a agência do BB, aonde todos os bancos mandavam seus representantes, geralmente tão graduados quanto eu. E então era feita a troca física dos cheques. Isso mesmo: cada banco entregava os cheques aos demais e recebia deles os que lhe pertenciam. No fim, feitas todas as contas, o BB registrava tudo, debitava aqui, creditava ali, e dava o assunto por encerrado. Se alguém então reparasse em mim, veria um rapazinho atravessando a Alberto Braune, entre 17h e 18h, abraçado a uma bolsa, plenamente consciente da fortuna que levava nas mãos.

De repente, uma novidade provocou grandes e orgulhosos comentários na agência: o “Fluxo Contínuo”. Até então o próprio caixa recebia, pagava, apanhava a ficha do cliente e fazia as devidas anotações. Sendo que as contas eram feitas a lápis, porque máquina de calcular era preciosidade só alcançável de subgerente para cima. Foi, pois, uma grande revolução quando resolveram dividir essas tarefas entre dois funcionários. À frente, o encarregado de atender o cliente e passar a papelada para o colega da retaguarda, ao qual cabia fazer os registros.

Muito haveria para contar sobre um tempo em que os bancários, mesmo os mais humildes, eram obrigados a usar gravata. Mas vou citar apenas mais um exemplo da modernidade do sistema bancário brasileiro nos idos da década de 70. As transações de uma cidade para outra eram feitas no grito. Explico. Dadas às então maravilhosas condições da telefonia nacional, um funcionário se trancava numa cabine adredemente (desculpem!) preparada e ditava aos berros, letra por letra, número por número, a operação a ser realizada. Alguns levavam isso meio na brincadeira e ficavam soletrando, enquanto a cabine estremecia: O, de Ourora... L de ladrão... I, de incelência...

Bons tempos! Na verdade, não sei se os tempos eram tão bons assim, mas eu era jovem e quando se é jovem tudo é bom, ou pelo menos não é ruim por muito tempo. Eu aguentei três anos!

PS – Dedico esta crônica a Américo Alves dos Santos, Eucy Lima da Silva, José Freire dos Santos, Luis Fernando Penna, Luiz Fernando Bachini, José Carlos Linch, o vivíssimo Eduardo com o seu famoso apelido “Já Morreu”, Ronaldo Eyer, Siegfried Bush, Vinícius do Lago Zamith e a todos os meus contemporâneos no Banco da Lavoura de Minas Gerais.

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