Havia uma senhora que previa o futuro

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Aposto que Eva achou que Deus não ia ficar sabendo

Havia uma senhora que previa o futuro. Esse negócio de prever o futuro, vocês sabem, é profissão de alto risco, porque o futuro costuma desdenhar de nossas previsões. Saímos de manhã e não levamos guarda-chuva porque o céu azul garantia bom tempo para o dia inteiro, e voltamos para casa embaixo do maior temporal. Tudo indica que no dia seguinte vai chover, e amanhece um dia amarelado de sol. Amores que eram eternos não duraram mais que um ano; encontros casuais transformaram-se em amores definitivos.

O dono da gravadora a que os Beatles foram oferecer suas composições dispensou-os porque, na sua avaliação, músicas com guitarra não tinham mais futuro. Em 1936 o New York Times afirmou que era impossível para um foguete ultrapassar a atmosfera terrestre. Sobre o telefone, algum sabido declarou que o aparelho carecia de valor, pois não tinha como tornar-se um eficiente meio de comunicação. Aposto que Eva achou que Deus não ia ficar sabendo, e até hoje estamos aguentando as consequências da besteira que ela fez.

Diz o ditado que o futuro a Deus pertence, e não há provas de que Deus ande fornecendo a programação para o dia seguinte, como fazem as emissoras de televisão.  Apesar disso, desde que o mundo é mundo, tem gente dando palpites sobre os tempos vindouros. Até acredito que existam pessoas com sensibilidade acima da média e que por isso podem ouvir e sentir coisas que escapam às menos providas desse dom. Gente que nos encontra e vai logo falando “Estou te achando abatido. Você está doente?” Juramos que não, aliás, há muito tempo não nos sentíamos tão bem, em perfeita saúde. Poucas horas depois, estamos com um resfriado que nos atormenta por três dias. Mas daí a achar que são adivinhos, penso que vai uma boa distância.

Pois a tal senhora dada a adivinhações teve a oportunidade de fazer uma previsão bem assustadora a meu respeito. Uma pessoa da minha família foi consultá-la e ouviu dela perguntas sobre a possível existência de parente com tais e tais características. Era eu, não tinha dúvida. “Essa pessoa está sujeita a um grave acidente de trânsito entre os dias X e Y deste mês”. Pra quê! Lá foi a parenta me recomendar que ao menos por alguns dias ficasse em casa e não entrasse em nenhum veículo motorizado.

Obrigado a trabalhar e cético com relação a essas premonições, toquei a vida em frente. Fiz uma viagem de ônibus no período, mas não me lembrei da advertência. Até o dia em que fui a um evento no que tinha sido o Colégio da Fundação Getúlio Vargas. O prédio ainda hoje lá está, no alto do alto morro. Tendo decidido descer antes do fim da programação do dia, acabei pegando carona num caminhão estropiado que tinha ido lá fazer não sei o quê.

Aí, sem mais nem menos, me lembrei de que aquele era o último dia da previsão fatídica. E o velho caminhão zanzava de um lado para outro da estradinha estreita, rangia, resmungava e se inclinava para o precipício. Num dado momento, o bicho deu um solavanco que assustou até o motorista, que o conhecia de longo tempo. Temi que a profecia fosse se cumprir. E como não sou herói nem ateu, desci rezando para que chegássemos sãos e salvos ao pé do morro. Afinal, como diz o ditado espanhol, “Eu não creio em bruxas, mas que existem, existem”.

Bem, não morri, como os leitores já concluíram. Pelo menos até o dia em que escrevo esta crônica, sinto-me razoavelmente vivo. No dia em que vocês a estiverem lendo... sabe Deus. Termino desejando que todos vocês tenham uma vida longa e feliz, a cada dia cheia das melhores previsões para o futuro (e que todas elas se concretizem).

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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