Entrevista virtual com o poeta Manuel Bandeira

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 02 de setembro de 2020

— Começando lá bem de trás: como foi sua infância?

— Sou bem nascido, Menino, fui, como os demais, feliz.

— O que você faz para retornar a essa infância feliz?

— Enquanto anoitece, vou lendo sossegado e só as cartas que meu avô escrevia a minha avó.

— Do que mais você se lembra dos lugares de seus tempos de menino?

— Da velha chácara triste: Não existe mais a casa... Mas o menino ainda existe

— Como o poeta Manuel Bandeira define o homem Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho?

— Provinciano que nunca soube escolher uma gravata. E em matéria de profissão um tísico profissional. Músico falhado (engoliu um dia um piano, mas o teclado ficou de fora).

— Apesar de doente desde cedo, sua poesia revela uma tranquila aceitação do sofrimento.

— Só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

— O que alguém pode fazer quando se descobre doente, como aconteceu com você ainda jovem?

— A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

— A doença fez você perder a pureza da juventude?

— Não sei entre que astutos dedos deixei a rosa da inocência.

— Sua poesia frequentemente fala de tristezas ...

— Eu faço versos como quem chora de desalento... de desencanto.

— Qual foi a outra grande tristeza de sua vida, Bandeira?

— Uma noite de muito frio, a Dama Branca levou meu pai.

— Nos seus poemas o amor frequentemente parece irrealizado ou mal sucedido...

— Amor – chama e, depois, fumaça... O fumo vem, a chama passa... Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

— Mas você tem amado muito na vida...

— A escuridão propícia aos furtos, propícia aos furtos como os meus, de amores frívolos e curtos.

— Você foi um homem de muitas amizades. Muitas pessoas queridas por você já partiram. Como você vê esses amigos quando se lembra deles?

— Estão todos deitados, dormindo profundamente.

— Tendo vivido a dor e o amor tão intensamente, como você define a vida?

— A vida é uma agitação feroz e sem finalidade. A vida não vale a pena a dor de ser vivida.

— Em poemas como Elegia de agosto, A espada de ouro, O obelisco, você critica a situação brasileira, ou antes, o comportamento de certos brasileiros. E se tudo isso ficar ainda pior?

— Vou-me embora pra Pasárgada. Aqui eu não sou feliz. Lá a vida é uma aventura.

— Supondo que se possa gostar de morrer, como você gostaria de morrer?

— Pensando humildemente na vida e nas mulheres que amei. Sei que é grande maçada morrer, mas morrerei — quando a vida for servida — sem maiores saudades desta madrasta vida, que todavia amei.

— Então você não tem medo da morte...

— Quando a Indesejada das gentes chegar (não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria e diga: — Alô iniludível!

— Cite um poeta de sua especial admiração.

— Sempre é poeta de verdade esse homem lépido e limpo que é Carlos Drummond de Andrade.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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