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Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Vamos nos consolando com a versão nacional do american way of life

Muitos brasileiros (a maioria, talvez) gostariam mesmo era de ser americanos e falar inglês. As lojas, nas promoções, poderiam colocar nas vitrines “Menos 50%”, ou “50% fora”, mas isso nos pareceria de uma extrema vulgaridade, se comparado com o elegantíssimo “Off”. Veja a diferença de nível entre um bar que ostente o glorioso nome de Night Star, e outro pobremente chamado Estrela da Noite. São dois pés-sujos, mas uma placa em inglês eleva qualquer estabelecimento a outro nível, a “otro patamá”, como agora se diz do time do Flamengo.

Pena que não imitemos os americanos também na mania que os ricos de lá têm de doar dinheiro, sobretudo às instituições científicas e de ensino.  Agora mesmo um deles, que ganha anualmente quatro milhões e quinhentos mil... e você dirá que quatro milhões e quinhentos mil reais é muito dinheiro. Pois não é de reais que estamos falando, e sim de dólares. Esse empresário estava conversando com uma jovem funcionária de sua empresa e ela confessou o sonho de comprar uma casa, mas tinha dificuldade até mesmo para pagar o aluguel mensal de US$ 200, pois ganhava apenas US$ 40.000 por ano. Como eu sei que você é pior de conta do que eu, vou dar uma ajuda: o patrão faturava mais de 20 milhões de reais por ano — só de salários. A empregada recebia, convertido em dinheiro de pobre, a merreca anual de R$ 180.000,00.

O tal milionário teve então uma ideia que bem podia ser imitada pelos ricaços brasileiros. Incomodado com os quilômetros de distância entre seus ganhos e o da moça, decidiu encurtar a desigualdade, cortando um milhão de dólares do próprio salário e em seguida multiplicando o contracheque de seus empregados. Todos passaram a receber pelo menos 70 mil dólares por ano (cerca de 315 mil reais).

Cinco anos após a implantação do novo mínimo, ele garante que sua empresa só prosperou e que até o número de bebês entre seus empregados aumentou. E a razão provável é que, ganhando bem, os casais podiam ir para a cama sem outras preocupações e a consequência, já sabemos: mais filhos. Podendo criar a ninhada sem apertos, viviam mais felizes; vivendo mais felizes, trabalhavam melhor e produziam mais.

Agora você imagine se pegasse entre nós a mania de imitar o tal mister. Imagine se os figurões da República e os demais milionários que pairam soberanos sobre a nossa pobreza geral resolvessem diminuir um pouquinho do que ganham e doar a sobra. Dava para melhorar bem a vida de seu Armelindo, que mora num barraco e num barranco, ambos prestes a desabar. Nem por isso o senador Coriolano atrasaria as prestações do jatinho que comprou (e se humilha pagando o jatinho à prestação para poder trocar o iate atual por outro mais moderno).

Mas, falando sinceramente, acho que nem vale a pena levar a ideia à frente. Uma coisa é imitar os gringos na hora de fazer liquidação nas lojas, outra coisa é tirar dinheiro do bolso para ver o trabalhador brasileiro engordando seus vencimentos, que na verdade nem são vencimentos, são derrotas mensais. 

Mas, enquanto não podemos todos morar em Nova York e fazer compras nas mesmas lojas que Angelina Jolie, vamos nos consolando com a versão nacional do american way of life, que consiste em imitar nossos “irmãos” do norte e tanto quanto possível usar as palavras que eles usam. Certa vez um político brasileiro disse que “tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Talvez seja bom para aqueles brasileiros que têm tanto dinheiro que os bancos nacionais não dão conta de guardar e alguns milhões precisam ser mandados para os paraísos fiscais, de preferência sem que ninguém saiba.

Segundo Ariano Suassuna, Cervantes teria dito que o português é a língua mais bonita e sonora do mundo. Bem, pode ser que o tal de Cervantes fosse um analfabeto, desses que vivem dizendo besteiras quixotescas, ou maluco, como aquele patrão quixotesco, que resolveu dar dinheiro aos empregados!

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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