É fogo!

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Álcool sempre se dá um jeito de achar

A ideia até que era boa, mas também as melhores costumam encontrar quem as critique. Veja-se o que aconteceu com Galileu quando ousou sugerir que a terra girava em torno do sol. Outra prova da incompreensão que cerca os pensadores verdadeiramente originais é o caso do vereador gaúcho que apresentou à câmara municipal a proposta de se pulverizar a cidade com álcool. Para provar a viabilidade e a eficácia de uma chuva etílica no combate à Covid – 19, lembrou que há muito as plantações são pulverizadas contra todo tipo de praga e que, excetuando-se as ditas pragas — gafanhotos, formigas e similares — todos consideram os resultados como a salvação da lavoura. Argumentou ainda que vários empresários locais possuíam aviões e patrioticamente concordariam em emprestá-los para a nobre tarefa de sobrevoar a região e despejar do alto a cura do coronavirus.

A bancada da oposição, talvez lamentando não ter tido a ideia antes, logo tratou de ridicularizar o colega. Alegaram com ironia que seria necessária uma lei complementar destinada a impedir que nos limites do território municipal se acendesse fósforo, ligasse o fogão ou mesmo pitasse um cigarrinho, atitudes inocentes, mas capazes de incendiar a cidade. Sem falar no perigo, que não lhes ocorreu, mas que eu não deixei passar em branco, de alguns cidadãos mais chegados a um trago irem para rua e, de boca aberta para o céu, se fartarem de graça com um produto que só pagando conseguiam adquirir nos bares e supermercados. E se as esposas ralhassem ao vê-los chegar em casa tropeçando, alegariam que, tendo esquecido o guarda-chuva em casa, apanharam o maior temporal ao sair do trabalho.

Muitos riram da boa intenção do vereador, outros alegaram, talvez com razão, que bem melhor seria combater o inimigo com as armas da ciência, e não com propostas pé de cana e sem pé nem cabeça. O problema é que as armas da ciência — vacinas, respiradores e camas hospitalares — andam em falta e álcool sempre se dá um jeito de achar. Também aqui em nossa cidade projetos de lei muito esquisitos de vez em quando atravessam a cabeça das autoridades. Contam os mais antigos que o aumento dos preços dos produtos hortigranjeiros era objeto dos debates na casa legislativa. A sessão corria tranquila, até que um vereador mais bem informado sobre economia tentou explicar que o fenômeno era causado pela lei da oferta e da procura. Pra quê? Imediatamente um de seus pares pediu a palavra e, indignado, propôs que lei tão nefasta aos interesses da população fosse declarada extinta em todo o território municipal.

Um outro teria discursado ardorosamente contra a lei da gravidade, ao saber que essa era a causa de tanta coisa grave que acontecia no mundo, como, por exemplo, a queda de aviões. Não chegou ao extremo de propor sua extinção, mas afirmou que opor-se a ela era obrigação de todo cidadão de bem. São talentos desse naipe que acabam dando origem a muitas piadas com os quais a população se vinga dos que a governam ou desgovernam. É o caso daquele prefeito a quem se atribui a intenção de acabar com as subidas dos morros, deixando apenas as descidas, facilitando assim a vida sobretudo dos mais pobres, da parte da população que, sem carro e sem dinheiro para pagar o ônibus, tem que subir os morros a pé.

Piada ou não, a ideia não foi avante, talvez porque tenham conseguido convencer Sua Excelência de que, embora tendo o inconveniente das subidas, os morros são um dos encantos de nossa cidade e tão acostumados estamos de tê-los ao nosso redor que sem eles nos sentiríamos mais desprotegidos e ainda mais pobres.

 

 

Publicidade
TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.