Duas histórias

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Uma alegre: marido brasileiro

Eu estava andando na praia quando passou um rapaz que, conduzindo um carrinho com alto-falante, vendia CDs de piadas. Ouvi o final de uma delas, deduzi o resto, inventei um pouco e conto-a agora para vocês.

Dizem que se realizou nos Estados Unidos um curso para mulheres, cujo objetivo era torná-las livres do jugo masculino e, portanto, capazes de ver o mundo de outra maneira. Na segunda versão do curso, as diplomadas do ano anterior foram chamadas a dar seus depoimentos.

O apresentador pediu a opinião da representante da França.

─ Então, Madame Balzac, o curso foi útil para a senhora?

─ Muito útil, vocês nem imaginam! Cheguei em casa e disse: “François, a partir de hoje eu não lavo nem mais uma pecinha de roupa”.

─ E qual foi a reação do seu marido?

─ Olha, no primeiro dia eu não vi nada. No segundo, também não. Mas no terceiro dia ele começou a lavar as meias, as cuecas... Hoje ele é dono da maior rede de lavanderias da França.

─ Muito bem, Madame Balzac! Vamos ouvir agora Mrs. Fitzgerald, representante dos Estados Unidos. Qual foi o resultado do curso para a senhora, Mrs. Fitzgerald?

─ Bom demais, vocês nem imaginam! Cheguei em casa e disse “Bob, a partir de hoje eu não cozinho mais, adeus fogão!”

─ E qual foi a reação do seu marido?

─ Olha, no primeiro dia eu não vi nada. No segundo, também não. Mas no terceiro dia ele começou a fritar um ovo, fazer umas panquecas... Hoje ele é dono da maior rede de restaurantes dos Estados Unidos.

─ Muito bem, Mrs. Fitzgerald! Vamos agora ouvir a representante do Brasil, Dona Hermenegilda, vinda lá do interior da Paraíba. Dona Hermê, qual foi o resultado do curso na vida da senhora?

─ Pois veje, seu moço, cheguei em casa e falei “Severino Raimundo, a partir de hoje não lavo mais roupa, não cozinho mais e nem varro quintal”.

─ E qual foi a reação do seu marido, Dona Hermê?

─ Olha, no primeiro dia eu não vi nada. No segundo, também não. Mas no terceiro dia, quando meus olho começaro a desinchar, comecei a ver uns vulto, umas sombra, uns movimentozinho pela casa!

 

Outra triste: O voo do motociclista

A caminho da festa, a moto voava ─ um palmo acima do chão. De repente, o caminhão parou. Ele sentiu que agora a moto estava em pleno ar, e ele junto com ela. Mas o chão do asfalto parecia subir ao seu encontro.

Levantou-se logo e partiu para a festa. Num segundo estava lá, no meio da zoeira. Luzes e som por todo lado, muita gente cantando, pulando, dançando, bebendo. O movimento era grande, e ele não conseguia ver as caras, apenas vultos. Uma bebida estranha foi parar na sua boca, e depois outra e mais outra, em golfadas. No meio da multidão, reconheceu Luana. Nem sabia que ela gostava de festa! Dançou muito com ela, como tantas vezes tinha sonhado fazer.

Às vezes a cabeça parecia ir às nuvens. Ou explodir.  Aos poucos, Luana foi se desintegrando no meio do povo. Estendeu a mão para alcançá-la, mas antes disso homens de rostos borrados o agarraram. Queria desvencilhar-se deles e voltar para casa. A mãe com certeza ainda acordada, rezando para que ele chegasse. Nessas horas, gostava de cantar para ela: “Não sou filho único, não moro em Jaçanã...” Ela guardava o terço, benzia-o e ia dormir.

Agora, no entanto, a casa era um vazio branco. Seguiu a luz que brilhava no fundo do corredor, mas a luz fugia e o corredor não acabava nunca. Cansado, deitou-se no chão. O ar sumia, sugado pelas nuvens. Um barulho estridente crescia à sua volta. Vermelha, a lua girava e piscava, e de repente a palavra AMBUL formou-se no espaço. Sentiu que o levantavam e o deitavam. Alguém passou a mão sobre seu rosto e fechou seus olhos.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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