Datas importantes

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

No dia 20, celebramos a viagem à lua, coisa da qual minha avó muito duvidava

Você, leitor, precisa ficar mais atento às coisas realmente importantes que acontecem ao seu redor. Por exemplo: em 24 de junho comemorou-se o Dia do Disco Voador, data da mais alta grandeza, noticiada por todos os veículos de comunicação, tanto aqui na Terra quanto em outros planetas, notadamente em Marte, de onde vem a maioria dos extraterrestres que nos visitam. E vai ver que você, alienado do jeito que é, não se lembrou de nada disso.

E cá estamos em fins de julho, que é um mês de grandes efemérides, e algumas delas você já perdeu. No dia 3, o calendário nos lembra de reverenciar Tomé, aquele cético que precisou tocar em Jesus para dar crédito à boa nova que lhe contaram os demais apóstolos. Já não digo acreditar em Jesus, que estava desaparecido há uma semana, mas ao menos acreditar nos próprios companheiros. Não sei como eles não lhe deram uns cascudos, para aprender a não chamar os outros de mentirosos. Principalmente Pedro, que era meio esquentado, haja vista o que aconteceu com a orelha do soldado romano que se dirigiu a Jesus sem o devido respeito, no mais famoso e injusto “Teje preso!” da história de humanidade.

No dia 4 — essa você não pode ter deixado passar em branco, seria a maior falta de patriotismo — nossos calendários registram com muito orgulho o Dia da Independência. Não a do Brasil, que pra essa não damos muita confiança, mas a dos Estados Unidos. Pois do que gostaríamos mesmo era de ser sobrinhos do Tio Sam, tanto que procuramos usar o máximo possível de palavras ianques, tais como sale, off, t-shirt, etc. Agora está muito em moda a tal da “live”, que, quando somos obrigados a falar em língua de gente pobre e atrasada, dizemos “ao vivo”.

O sete celebra o Ingresso das Mulheres na Marinha, acontecimento que, se não foi suficiente para transformar nossa armada em uma potência bélica, ao menos nos dá motivo para acreditar que melhorou em mil por cento a beleza da marujada. Sei até de um cidadão cujo pacato coração civil vira um mar revolto toda vez que vê passar certa capitã-de-corveta que mora na mesma rua que ele. Dez é o Dia da Pizza, a qual, ao contrário do que muitos pensam, não é uma massa de origem italiana, mas um jeito brasileiro de se aplicar a lei, sobretudo quando tem gente importante envolvida na questão.

Dia 11 é o Dia Mundial da População, seja lá o que isso possa significar. Até por que, quem vai cumprimentar quem, se todos fazem parte da população? A tal população é uma coisa que está em todo lugar, aonde quer que se vá, lá está ela, tão numerosa que não há quem de vez em quando não se sinta sufocado com tanta gente em volta, como se o planeta fosse um elevador para seis pessoas e mais de vinte já tivessem entrado. Assim é porque, embora todos concordem que há gente demais no mundo, raros são os casais que deixam de agravar a explosão populacional.

No dia 20, celebramos a Viagem à lua, coisa da qual minha avó muito duvidava. Segundo sua firme convicção religiosa, esse era um abuso que Deus não ia permitir, posto que entregou a lua à administração de São Jorge, que a percorre toda noite, mantendo o lugar bonito, brilhante e desinfestado de dragões. Essa era a convicção dela, e quem teve avó italiana sabe que não vale a pena discutir com ela. Quando criança, consultei um padre a respeito, e ele, sem nenhum respeito, apontou para vovó e girou o dedo em torno da orelha, gesto que na época nada significou para mim, mas que, quando vim a entender, me deixou bastante revoltado. Alguém poderá rir da ignorância de D. Maria Chardelli, que era analfabeta, Mas, quando se vê alguns notáveis do governo federal sustentando que a Terra é plana, conclui-se que a ignorância está ao alcance de todos, mesmo dos mais sábios.

Em julho temos a celebrar ainda outros dias grandiosos: 15 (do Homem), 21 (dos Mortos da Marinha), 29 (da Identificação) e por aí vai. E só mesmo pela grande modéstia que me caracteriza é que deixarei de citar a data mais importante do mês: meu aniversário. E a prova da importância dessa data é que aqui em casa ninguém se lembra das outras que citei, mas a do meu aniversário, graças a Deus, ninguém se esquece.

Publicidade
TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.