Comendo ouro

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio

Eu nem vou entrar nessa discussão sobre aquele jantar dos jogadores e ex-jogadores brasileiros durante a Copa do Mundo, com bifes polvilhados a ouro e que custou o equivalente a quase um mês de Bolsa Família para os famintos do Brasil inteiro. E nem é a primeira vez que ouço falar nisso: em São Paulo, que é uma cidade rica, mas é pobrezinha de marré deci quando comparada a Doha, capital do Qatar, já servia essa iguaria tempos atrás. Na época em que li isso, fiquei sabendo que o ouro não tem nenhum valor alimentício, nem acrescenta nenhum sabor à comida. Ou seja: é pura ostentação. Nem mesmo pode ser peneirado e reaproveitado após a comida ter cumprido todo o seu percurso, terminando como todos nós sabemos, seja a do Principe Charles, no Palácio de Buckingham, seja a do seu Manuel Pedreiro, no Morro da Providência.

Mas não fiquei revoltado com nossos milionários atletas, muitos dos quais têm origens tão humildes que, se não tivessem pés tão inteligentes, talvez estivessem na fila para receber os R$ 600,00 que o Governo Federal paga aos pobres mais pobres do Brasil. Acho horrível o que eles fizeram, totalmente indiferentes à fome do povo brasileiro. Mas eles não são os únicos que perderam a noção das coisas e o sentimento de solidariedade com os que, como eles, também jogam duro para ganhar a vida, só que dirigindo caminhão, carregando cimento, vendendo banana na feira ou simplesmente estendendo a mão a quem passa na calçada e parece estar um pouco melhor de vida. Nossos atletas não são diferentes de nós, são como nós, apenas com muito mais dinheiro, e dinheiro ganho muito depressa. Tivéssemos tido a mesma oportunidade, talvez não fizéssemos outra coisa senão o que muitos deles fazem: carrões velocíssimos, relógios caríssimos, mulheres longuíssimas. E seria injusto ignorar que muitos deles têm se revelado gente boa, ótimos filhos, pais e maridos.

Não vamos misturar as coisas. As qualidades pessoais (ou falta delas) nos rapazes da Seleção Canarinho não é o futebol. Futebol é um esporte que muitos admiram e muitos ignoram ou mesmo desprezam. Mas nele, como em todas as outras ocupações humanas, tem gente de todo tipo. Millôr Fernandes escreveu que o ser humano foi o único animal que não deu certo. Não sejamos tão radicais. Às vezes nasce um Ghandi, às vezes nasce um Hitler. Às vezes dá certo, às vezes não dá. C'est la vie, como dizem os franceses.

Por outro lado, me ocorre que pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio, onde um prédio modesto pode subir 238 metros em direção ao céu, com 46 andares para cima e mais três enfiados chão abaixo. Caso seja esse o seu caso, no intuito de ajudá-lo a bem comer naquela terra estrangeira, andei fazendo uma pesquisa na internet sobre os restaurantes locais. Acabei optando por lhe sugerir a casa do renomado chef catari Nusret Gokçe, aquele mesmo que serviu o “bife de ouro” aos valentes e então esperançosos representantes do nosso futebol.

Não creio que você vá discordar do lema de Nusret (“Qualidade nunca é cara”), nem vai desistir de um jantar no restaurante dele só poque a conta fica por volta de R$ 900.000,00. À primeira vista, parece que tem zero demais nesse número, mas não: esse é o preço a pagar se você quer voltar ao Brasil dizendo (é melhor fotografar também) que jantou no mesmo lugar em que Ronaldo Fenômeno espetou um pedaço de carne e a deixou cair na boca escancarada de Vinícius Jr.

Mas se ao menos temos aquele bifezinho caseiro, com arroz e feijão, ergamos as mãos para o céu. Não é preciso que sobre ele brilhe ouro salpicado, mas é indispensável que em volta da mesa reine o prazer das coisas boas e simples, o a felicidade dos encontros que não precisam ser manchete para serem momentos de felicidade.

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