A cara que temos

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Quem, estando na praia, vê uma mulher bonita passar e presta atenção ao mar?

Albert Schweitzer disse que “com vinte anos todos têm o rosto que Deus lhes deu; com quarenta, o rosto que lhes deu a vida; e com sessenta, o rosto que merecem”. Atualmente, quando pergunto ao espelho se era isso que eu merecia, ele, com um impiedoso aceno de cabeça, responde que sim. Tanto quanto você, prezado leitor, e mais ainda você, prezadíssima leitora, eu gostaria de ter mantido a cara com que me vejo nas fotos da juventude. Mas voltar ao passado só mesmo nos filmes de ficção científica, ou em romances como “O retrato de Dorian Gray”, em que o personagem-título transfere para uma pintura as consequências de todas as safadezas e todos os crimes que comete.

 O truque de Dorian Gray para não envelhecer funcionou por anos afora, mas, quando chegou, a conta foi muita alta: ele finalmente ficou com a cara que merecia, e ela era feia como todos os pecados que ele havia cometido nos seus longuíssimos anos de juventude. Coisa parecida acontece com pessoas que tanto esticam a cara pra lá e pra cá, a poder de cirurgias plásticas que, no fim das contas, já não se sabe se foi Deus, a vida, o tempo ou o cirurgião que fez aquela obra.  

Recentemente vi na TV uma cantora a quem muito admiro, mas não sei se a vi realmente, porque a vista que eu tinha dela era muito outra, outra figura. A que agora apareceu na tela estava tão plastificada que, da senhora nobremente envelhecida que poderia ter sido, ficou uma visão assustadoramente feia, mais parecendo uma caricatura de si mesma. A vantagem é que, assim alisada a ferro de passar roupa, ela pode sem esforço economizar muitos movimentos faciais: para rir, basta piscar os olhos, para abrir os olhos, basta alongar o queixo.

Sim, envelhecer tem suas desvantagens, mas ninguém negará que, entre ficar velho e morrer jovem, a primeira opção ainda é a melhor, por maiores que sejam as dores nas costas. Assim sendo, não vale a pena acrescentar ao inexorável passar do tempo preocupações sobre o inexorável passar do tempo. Quanto às plásticas a que as mulheres recorrem para permanecerem bonitas, estou com Vinícius de Moraes: a beleza é fundamental. E a beleza feminina é a primeira entre todas, a que mais acrescenta encantos à paisagem. Quem, estando na praia, vê uma mulher bonita passar e presta atenção ao mar, ou, estando num jardim, repara que há flores ao redor?

Não sou eu, portanto, que vou criticar as mulheres se elas colecionam cremes e perfumes, vestidos e sapatos, ou mesmo se elas fazem uma discreta e secreta visita a um dos muitos pitanguys que a medicina moderna ponha à disposição delas. O problema é que algumas exageram e, quanto mais levantam o nariz ou encurtam a bochecha, piores ficam. Nem sempre toques a mais produzem rostos amenos. O bisturi do tempo é incessante, e vai traçando linha e abrindo sulcos, mesmo nos corpos mais perfeitos. Vejam Brigite Bardot, atriz que nos seus tempos de beleza enlouquecia os homens de desejo e as mulheres de inveja. Tão linda era, e agora poderia facilmente estrelar um filme de horror sem precisar de maquiagem. Sim, é bom e justo tentarmos evitar as marcas do tempo, mas sabendo que, 

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