Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana
Cabeças cortadas
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Nunca mais namorou, nem às segundas nem em qualquer dos outros miseráveis dias da semana
É muito chato esse negócio de dar más notícias. Não é à toa que os gregos cortavam a cabeça do soldado que retornasse da batalha falando em derrota. No mundo moderno, nem sempre as cabeças são literalmente cortadas, mas é difícil não antipatizar com o primeiro sujeito que vem nos dizer que estamos ficando careca, como se fosse ele o causador universal da queda de cabelos.
E há maneiras simbólicas de decapitar o intrometido que vem nos esclarecer sobre coisas que preferíamos deixar na penumbra, quando não na completa escuridão. É o que prova o caso de uma senhora que há muitos anos se sentiu na obrigação de dar certa má notícia à sua melhor amiga. Vamos chamá-las de Marta e Maria, que têm a vantagem de ser dois nomes bíblicos e por serem tão universais não se aplicam a ninguém em particular.
Uma das amigas, digamos que Maria, arrumou um namoro, o que não seria nada demais não estivesse ela na idade em que a gente, para ser gentil com uma dama, diz que ela “não é mais criança”. E esse namoro tinha uma particularidade: só se consumava e consumia às segundas-feiras. O cavalheiro alegava que, nos demais dias da semana, trabalhava no Rio de Janeiro. Quem acreditaria nisso? Maria acreditava. Ou pelo menos enganava a si mesma tão bem que ela mesma acreditava que acreditava. E assim prosseguia o namoro, toda segunda: jantares, cinema, passeios de carro, curvas e mais curvas por onde inquietas mãos passeavam. Daí que Maria voltava para casa sonhando com o casamento que poria fim àquelas segundas-feiras corridas e incompletas. Maria sonhava com um amor de sete dias por semana, sem intervalos. E nessa ilusão passava os dias na esperança de um só dia.
Aí é que Marta entra na história. Certa de que sua amiga estava sendo enganada, pôs-se a investigar. E tanto que acabou chegando à descoberta nada espantosa de que o D. Juan era casado no Rio de Janeiro e vinha à nossa cidade nas segundas-feiras para prestar assessoria a empresas. Talvez viajasse para outros cantos nos restantes dias da semana e onde quer que prestasse assessoria técnica, prestasse também assessoria amorosa a alguma Maria local.
Marta, amiga tão amiga, acabou contando. Contou à Maria que o galã das segundas-feiras era também um galã de segunda e jamais a transformaria em primeira-dama. Maria mudou de cor, chorou e rangeu os dentes. Depois acusou a amiga de fofoqueira e invejosa. Quando lhe faltaram acusações medianamente civilizadas, fez um discurso que não pode ser apresentado neste horário, em respeito às crianças presentes.
Verdade que Maria terminou o namoro. Nunca mais namorou, nem às segundas nem em qualquer dos outros miseráveis dias da semana. Mas é verdade também que nunca mais falou com Marta. Perdeu o namorado e resolveu completar a desgraça perdendo a amiga. Assim foi, porque assim somos. Preferimos as mentiras doces às verdades amargas. Se sonhamos com rosas e aparece qualquer Marta para nos dizer que os espinhos existem, ficamos revoltados. Cortamos a cabeça dessa Marta imprudente, que é para ela não vir nos enfiar a realidade pelos olhos, quando os tínhamos fechados justamente para enxergar apenas a ilusão que cultivávamos por trás das nossas pálpebras cansadas.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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