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“CPI dos Sertanejos” e Lei Rouanet
Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
Uma declaração do artista Zé Neto durante show no Mato Grosso, no meio do mês passado, reverberou e vem abalando o mundo milionário dos sertanejos. Após a alfinetada do cantor à Anitta e a Lei Rouanet, internautas, por conta própria começaram a buscar sobre valores de cachês pagos por prefeituras e órgãos públicos para artistas que se apresentam em shows por todo país.
A polêmica declaração acabou respingando em uma série de artistas da indústria sertaneja, e incentivou a abertura de investigação de muitos contratos – grande parte sem licitação – com valores milionários por parte do Ministério Público. A #CPIdosSertanejos está reacendendo o debate do incentivo à cultura no Brasil.
Piada virou investigação
Durante um show, no Mato Grosso, em maio a declaração do artista Zé Neto trouxe à tona algumas polêmicas que vem abalando o mundo milionário dos cantores sertanejos. O artista, em um show, afirmou: “Não dependemos da Lei Rouanet, nosso cachê quem paga é o povo.” Em seguida, disparou: “A gente não precisa fazer tatuagem no ‘t*ba’ para mostrarmos se estamos bem ou não”.
Os comentários do cantor deram a entender de que ele estaria falando da cantora pop, Anitta, que mostrou publicamente que fez uma tatuagem íntima. Fato é que, com tatuagem ou sem tatuagem em locais delicados, o tiro saiu pela culatra e a declaração de Zé Neto trouxe à tona um verdadeiro embate polarizado politicamente, acerca dos gastos em cultura no país.
Em meio às declarações do cantor sertanejo, fãs e famosos decidiram investigar um pouco mais a fundo. E passaram a publicar em suas redes sociais muitos contratos pactuados pelas prefeituras e os artistas para a realização dos shows, pagos sem licitação. Polêmica!
Zé Neto tinha total razão ao dizer que o dinheiro gasto no show deles era de origem pública, contudo, os números vieram a assustar um pouco. Ao que parece quem jogou a pedra, tinha teto de vidro. A prefeitura de Sorriso, no Mato Grosso, gastou a bagatela de R$ 400 mil na contratação da dupla artística sertaneja, mas conta com apenas 90 mil habitantes.
Apenas um estopim. Ministérios públicos de vários estados começaram uma série de investigações de contratos feitos com outros cantores sertanejos. Em São Luiz, menor município de Roraima, paupérrimo, com apenas oito mil habitantes, pagou um cachê de R$ 800 mil para o cantor Gusttavo Lima. Até aí, ok! Se o orçamento do ano para merenda, transporte escolar e Vigilância Sanitária, somados, não fosse de apenas R$ 180 mil.
Mesmo sem energia elétrica para toda população, saneamento básico, asfalto ou postos de saúde, 48 cidades investigadas – com menos de 50 mil habitantes – investiram mais de R$ 14 milhões em shows de cantores sertanejos nesse ano eleitoral. Grande parte das cidades contratantes dos shows receberam R$ 28,5 milhões diretamente de Brasília, contudo dos 48 shows bancados com a verba pública, em apenas 35 é possível consultar o cachê pago.
Dentre eles, a cidade de Mar Vermelho, em Alagoas, que gastou R$ 370 mil para a apresentação do cantor Luan Santana, apenas dois meses antes das eleições. O município está entre os 100 com menor renda no país. Apenas 14,9% das casas possuem saneamento básico em uma cidade com apenas 3.474 habitantes. Somente 24% das moradias tem pavimentação adequada e, até 2019, só 9,4% da população estava empregada.
Depois dos shows sertanejos, os religiosos também entraram na mira das CPI’s. Pertinho da gente, o famoso festival do Tomate, em Paty dos Alferes, no Sul fluminense, passou a ser alvo de denúncias pelo motivo do dinheiro público para programação religiosa ter sido usado apenas para atender a programação de fiéis de vertentes evangélicas, deixando de fora, católicos e umbandistas.
No fim das contas, Zé Neto e Gusttavo Lima foram às redes sociais pedirem desculpas. Ainda não existe formalmente uma CPI instalada. Há promessas, mas até então, somente especulação e investigação. Mas enfim, qual a diferença entre a Lei Rouanet e o dinheiro público?
Lei Rouanet x dinheiro público
A Lei Rouanet é um incentivo fiscal. Ou seja: é um investimento indireto, em que o governo abre mão de impostos que tem a receber das empresas e elas investem esse imposto em projetos culturais. Há um crivo do governo, mas a empresa acaba indicando os artistas que tenham uma identidade artística que tenha a ver com a imagem que querem passar. Evidentemente, tem sua problemática.
Mas para resumo da ópera: a Lei Rouanet é um dinheiro que deveria ser pago aos cofres públicos, mas é revertido em shows pelas empresas. As verbas públicas, somos nós que pagamos. Farinha do mesmo saco, apenas muda o posicionamento político de quem defende.
No fim das contas: É ilegal financiar shows com dinheiro público? Obviamente, que não! Mas, a partir do momento em que se critica artistas que fazem uso da Lei Rouanet, é no mínimo contraditório aceitar verbas públicas espantosas. Deixemos a politicagem de lado!
O incentivo à cultura é necessário, afinal, o que seriamos de nós sem a cultura? Uma população sem identidade. Não podem existir os abusos como vem acontecendo. Tudo deve ser contratado dentro da legalidade (licitação), impessoalidade (sem lado A ou B), moralidade (de um respeito), publicidade (transparência) e eficiência (necessário, somente o necessário, o extraordinário, é demais). Assim que deveria ser.
Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
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