O acesso à educação é um direito inegociável

“A educação inclusiva ainda sofre com uma mentalidade social dos que rejeitam e questionam valores e práticas positivados nas leis...”
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
Leonardo Mazzine (Foto: Reprodução)
Leonardo Mazzine (Foto: Reprodução)

O acesso à educação e o direito à aprendizagem são garantias constitucionais universais, ou seja, a todos os brasileiros como dever do Estado e da família. A diversidade de experiências, habilidades, contextos e capacidades entre estudantes é uma realidade que deve ser celebrada através de práticas educacionais inclusivas. 

O presente e o futuro da educação consistem na promoção da diversidade como um valor inegociável. Quanto mais respeitados em suas diferenças, mais os estudantes e educadores avançam, sejam eles pessoas com ou sem deficiência.

Para abordar a questão, entrevistamos o advogado Leonardo Mazzine, que ingressou com uma demanda judicial para garantir o direito ao transporte escolar para um jovem deficiente físico. É o caso do estudante Andrei Tardim Dutra da Silveira, 17 anos, cadeirante, morador do bairro São Geraldo. 

Entre a pandemia e a falta de transporte escolar, o adolescente ficou fora da escola por três anos. Ao terminar o ensino fundamental, no Colégio Municipal Odette Penna Muniz, Andrei foi matriculado no Colégio Estadual Jamil El-Jaick, para cursar o ensino médio. 

“Só que neste colégio não havia transporte para pessoas deficientes, ao contrário do ‘Odette’. Já durante a pandemia eu comecei a correr atrás para resolver o problema, sem sucesso. As escolas reabriram e nada. Meu filho acabou perdendo o ano. Finalmente, com a ajuda de advogados e da Justiça, esse ano o transporte foi disponibilizado e ele pôde voltar a estudar”, contou a mãe do aluno, Andréa. 

A seguir, o advogado Mazzine explica como funciona o processo para fazer valer um direito garantido pela Constituição Federal.

Como soube do caso do Andrei Tardim e quais providências foram tomadas?

Fui apresentado ao caso do Andrei pelo doutor José Carlos Alves, que me pediu para ingressar com uma demanda judicial contra o Governo do Estado do Rio de Janeiro, em razão da falta de transporte escolar especializado para cadeirantes, que deveria ser fornecido nos termos do artigo 208, VII da Constituição Federal, “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…) atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

O que o levou a se interessar por essa causa?

A responsabilidade social em benefício da comunidade. Fazer ações "pro bono" em favor de quem não tem condições financeiras para arcar com advogado é um dever e uma regra desde que comecei a advogar.

Em seguida, o que aconteceu?

Depois de deferida a tutela, o Estado providenciou o transporte para o Andrei, e, até onde tenho notícias, a determinação judicial vem sendo cumprida.

Cabe a toda e qualquer entidade escolar pública ou privada alguma punição, ou apenas ao Estado?

Teoricamente poderia ser requerida indenização contra o Estado em razão da falta do transporte escolar que é garantido constitucionalmente em favor do cidadão. O não cumprimento desta obrigação legal pelo Estado pode acarretar em demanda judicial visando o cumprimento coercitivo do fornecimento de transporte, inclusive com penalidades para os agentes públicos que eventualmente descumprirem ordem judicial, da mesma maneira que existe hoje nas ações de medicamentos e cirurgias que não são realizadas pela via administrativa pelo Estado nas unidades públicas de saúde.  

No caso do não cumprimento da ordem da Justiça para o Estado, que medidas são tomadas?

De acordo com a decisão do processo do Andrei, em específico, o não cumprimento da ordem judicial geraria o dever do Estado custear o transporte particular do estudante, com bloqueio do recurso diretamente das contas públicas. Segue o trecho da decisão do magistrado Dr. Marcus Vinícius, da 1ª Vara Cível de Nova Friburgo: "Sendo assim, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, defiro o pedido de tutela antecipada de urgência para determinar que o réu forneça imediatamente à autora o transporte necessário (ida e volta), conforme requerido na petição inicial, sob pena de bloqueio de valor suficiente à realização dos transportes."

Segundo o doutor José Carlos, “crianças com alguma deficiência física ou de qualquer tipo, como dislexia, por exemplo, têm direito a um professor auxiliar durante as aulas, para que esses alunos tenham um bom aproveitamento nos estudos”. Mas o Estado costuma demorar a disponibilizar esse profissional. O que tem a dizer à respeito?

O profissional de apoio escolar também é garantido pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que determina: "Para fins de aplicação desta lei, consideram-se: (...) Profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas”. 

Esse profissional deve ser disponibilizado pela escola pública, ou mesmo pela instituição privada de ensino, sem custo adicional. O descumprimento por parte das escolas pode gerar uma denúncia no MP, bem como uma ação autônoma para garantir a aplicação da lei e dos direitos da pessoa com deficiência.

O que mais pode acrescentar sobre acesso à educação?

Apesar dos muitos e inegáveis avanços, em especial na legislação federal com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, já citada aqui, e a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, por exemplo, a educação inclusiva ainda sofre com uma mentalidade social dos que rejeitam e questionam valores e práticas positivados nas referidas leis, em especial num contexto marcado historicamente pela seletividade e segregação. Mas não podemos nos acomodar. Por mais difícil que possa ser, devemos buscar a efetividade do direito de acesso à educação e viabilizar, nem que seja pela via judicial, que todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, gozem plenamente de todos os aspectos da vida escolar.

Uma história de lutas e conquistas

Ao falar da educação inclusiva, é crucial resgatar o histórico de lutas, conquistas e estudos que consolidaram essa estratégia pedagógica como um modelo de avanço educacional. Ao longo da década de 1990, a Unesco e movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência se mobilizaram em torno desse tema, resultando na publicação de importantes documentos. 

Desde a Declaração de Salamanca (1994) até a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU, em 2006, e incorporada à Constituição Federal, na forma da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em 2015, um amplo cobertor legal se formou para amparar o combate à segregação e ao capacitismo.

O compromisso de uma educação que se propõe universal deve ser o de incluir a diversidade, fugindo de modelos padronizados, que não respeitam as realidades dos estudantes e de suas famílias e promovem cenários de exclusão e fracasso escolar. Historicamente, pessoas com deficiência tiveram o acesso à educação negado ou muito restringido. Apesar dos avanços nas últimas décadas e do aumento progressivo de matrículas, a exclusão escolar ainda atinge desproporcionalmente as crianças e jovens com deficiência.

Segundo estatística da OMS, temos 15% da população com alguma deficiência. Hoje, no ensino médio brasileiro, somente 0,68% das matrículas é ocupada por pessoas desse segmento social. 

    “É importante revelar essa nossa realidade no que diz respeito ao direito da educação para todos, porque muitas vezes se faz necessário ingressar com medidas judiciais para fazer valer um direito da nossa tão comemorada Constituição Cidadã”, reiterou o advogado José Carlos Alves.

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