No ar, o fascínio e a magia do rádio!

"Também pus os pés na Rádio Friburgo. Com 8 anos, participava de um programa aos sábados"
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
por Giovanni Faria*
Giovanni Faria (Foto: Acervo Pessoal)
Giovanni Faria (Foto: Acervo Pessoal)

Domingo era dia de futebol. No Estádio Raul Sertã lotado, o dono da casa, o Friburgo, encarava o Esperança. Jogo duro, pegado. A bola corria de pé em pé, mas eu, menino de calças curtas, espremido entre adultos junto ao alambrado, pouco olhava para o que acontecia no gramado. Meus olhos se voltavam na direção oposta, sobre os vestiários, onde ficava a cabine de rádio. O fascínio de ver Rodolfo Abud narrando e o tio Rostein Pinto de Faria comentando era maior do que aquele despertado pelos craques que vestiam as camisas vermelhas e verdes dentro das quatro linhas. E olha que adoro futebol.

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Sim, a Rádio Friburgo de outrora fez parte da minha vida e despertou a paixão imensa pelas ondas sonoras que mexem com o coração de todo brasileiro. Acordava com o sertanejo de Horizonte, o poeta da viola, às seis da manhã, e muitas vezes ia dormir ouvindo a voz maviosa de meu pai, Francisco Pinto de Faria, que falava no microfone (latinha, para os íntimos) da Rádio Cipó até que os transmissores eram desligados.

Em 1990, na Copa do Mundo da Itália, encontrei, por acaso, o doutor Aloísio de Moura, em Gênova. Ele fazia um cruzeiro com a família. Ali, apresentei as minhas humildes credenciais. Disse a ele o que não revelara a ninguém:

— Doutor Aloísio, hoje sou jornalista, com muito orgulho, e devo muito à Rádio Friburgo a minha escolha profissional. Obrigado por isso — agradeci, antes de me despedir com um arrivederci emocionado.

Nunca mais o encontrei. Ele, dono da rádio, abrira lá nos anos 60 as portas para meu pai-locutor, tratava-se de uma espécie de bico, já que Chiquinho, como era conhecido, trabalhava durante o dia na Fábrica de Rendas Arp. O doutor pôs minha irmã, Monique Thurler de Faria, aos 7 anos, na apresentação de um programa de auditório, juntamente com Antonio Carlos Leite de Rosas, o Toninho. Era o "Mundo encantado de Tonique". Ali, no velho sobrado de tantas histórias na Praça Getúlio Vargas. 

Também pus os pés na Rádio Friburgo. Com 8 anos, participava de um programa aos sábados: respondia a perguntas sobre futebol, enviadas por carta pelos ouvintes. Cada resposta certa valia meio quilo de macarrão São Francisco. Na segunda-feira, ia feliz com minha mãe à Rua Baronesa, hoje José Tessarollo Santos, no Paissandu, onde recebia das mãos do falecido prefeito e empresário Paulo Azevedo a quota de massa a que tinha direito.

A Rádio Friburgo foi meu quintal. No velho estúdio de vitrolas e LPs empoeirados via Moisés Moraes Filho desfilar os grandes sucessos da época com seu programa "Seu signo, sua música". Sou de peixes, o último do zodíaco: então acompanhava o programa até o fim. A voz potente de Pedro Osmar, o estilo cadenciado de falar de Ernani Huguenin, tudo me fascinava. 

Doutor Aloísio, em seu programa ao meio-dia, pigarreava em excesso, até mesmo tossia. E, no ar, sem cerimônia, pedia que lhe trouxessem o xarope para a garganta. O jeito popular, descontraído, informal que só o rádio é capaz. 

E tinha Cabiúna e Godô. E transmissão ao vivo de carnaval, de miss Friburgo, de jogos de boliche, de jogos florais e até de um angu à baiana realizado na quadra de tênis da casa de Aloísio nas Braunes, onde ficava a torre. Todos os anos, uma tradição:  uma longa entrevista com meu tio Larry Pinto de Faria, que fizera sucesso como jogador do Internacional de Porto Alegre e voltava à terra natal como ídolo que vestira a camisa da seleção brasileira. Depois da entrevista, o craque descia as escadas do sobrado, dobrava à esquerda e pedia, para viagem, três ou quatro frangos bem temperados da Majórica de outrora. 

Ah, a Rádio Friburgo sempre amiga. A emissora que pegava em todo lugar,  dizia-se que até mesmo nos rádios a pilha... sem pilha. Bastava colocar perto do chuveiro. A rádio de minha infância, as vozes que até hoje ecoam na memória. Desse passado, não me livro. Nem quero. Perpetuo sons de radionovelas, de programas de auditório. 

Relembro a cadeia que formava com a Rádio Globo do Rio para a transmissão de clássicos no Maracanã. As vozes de Waldir Amaral e Jorge Curi ecoavam nos quatro cantos. E com a mesma emissora carioca, a Rádio Globo, outra conexão: de segunda a sexta, às 7h da manhã, veiculava o poderoso "O seu redator-chefe", noticiário que ouvia atentamente para, principalmente, saber o resultado dos jogos da véspera. Futebol na TV era raridade na época.

Com 20 anos, entrei pela primeira no templo chamado Rádio Globo. Edmo Zarife, friburguense-mor com sua voz de trovão, me esperava na saída do elevador. Apresentou-me Waldir Amaral, o indivíduo competente com seu bordão "tem peixe na rede..." na hora na narração de um gol. A voz de Zarifão ecoava pelos corredores infinitos daquela emissora na época. Éramos vizinhos em Niterói e sempre nos falávamos em Icaraí. Ainda dói hoje: parei o  carro no acostamento para chorar, no litoral da Bahia, quando ouvi pela própria Rádio Globo o anúncio da morte dele em dezembro de 1999. O grito "Brasil" é único!

A minha idade dobrou e o rádio que trazia na memória, nos sonhos e nas veias me levou, como profissional, a assumir a gerência nacional da CBN e, depois, a  direção de jornalismo da Rádio Globo. Eu, que passara duas décadas na Rua Irineu Marinho, na redação de O Globo. 

Do impresso para o sonoro, uma mudança radical. Assim que pus no peito o crachá da Rádio Globo, criei uma rotina: dia sim, dia não, ia ao arquivo sonoro da emissora e me deliciava, por alguns minutos, ao ouvir a voz de Zarifão. Um ídolo. O juventude da serra Fernando Bonan, companheiro de escola e narrador esportivo para quem tive a honra de abrir as portas da Rua do Russel 434, na Glória, sabe bem disso. Que orgulho para nós friburguenses.

O rádio completou um centenário no Brasil no dia 7 de setembro. Desse tempo, 62 anos fui ouvinte. Acho que desde o ventre de dona Shirley Thurler de Faria. Há uma década, leciono radiojornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Conto histórias de meus 35 anos como jornalista nas Organizações Globo. Mas, principalmente, dos anos da minha infância e juventude na serra, quando um rádio ligado na tomada ou a pilha era meu maior amigo. Muita coisa mudou, das válvulas de então para o streaming de hoje. Mas o veículo continua único, descobrindo novos caminhos todos os dias. Enfim, vivíssimo!

Desculpem-me por não ter citado todos os nomes e vozes que marcaram a minha relação de amor com o rádio. Podem não aparecer aqui, mas estarão para sempre na memória.

No seu dia mundial, 13 de fevereiro, no seu dia nacional, 25 de setembro, e em todos os dias da vida, viva o rádio!

*Giovanni Faria é jornalista, professor e, principalmente, friburguense.

 

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