O convite para estar na edição especial do Caderno Z, em homenagem ao Dia Nacional da Poesia, 14 de março, além de um prazer, é um desafio astronômico, porque, acima de tudo, a poesia está em tudo, em todos os tempos e lugares. Eu me lembrei de um episódio, meio rude, quando, andando por Nova Friburgo, eu tinha na bolsa uns livros de trovas. Por acaso, encontrei um amigo e me ocorreu o desejo de presenteá-lo, ao que ele negou, dizendo, abertamente: “Eu detesto poesia!”
Contudo, peguei o gancho de uma conversa, pois, o indivíduo usava uma camisa com a inscrição “Eu amo a Natureza e todas as obras de Deus”. Assim, percebi que a incoerência começava ali, no uso da camisa. E pensei: como alguém que ama a natureza pode detestar a poesia? Não fiz por menos e perguntei se ele gostava de música e citei versos de Dorival Caymmi em “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito...”. Também perguntei se ele gostava de Cio da Terra e ressaltei um trecho – “Afagar a terra / conhecer os desejos da terra / cio da terra, a propícia estação / e fecundar o chão”... ? A tudo ele dizia, sim: “Eu adoro essas canções!”
No final da conversa, ele jogou uma piadinha sarcástica: “Você agora é advogada e sua causa é defender a poesia? Não levei em consideração o seu deboche, porque a poesia dispensa uma defesa.
Livre em suas andanças, ela entra nos espaços como bem entender. Dos mais antigos registros, como o poema épico de Gilgamesh, aos mais modernos escritos literários, a poesia é a forma de expressão mais sutil para se interpretar ou traduzir o mundo, seus sentimentos, saberes e valores.
É aquele dom revolucionário de proferir em versos, o clamor pela liberdade, por tudo o que possa escravizar o corpo, a mente e o espírito, como soube Castro Alves, em Navio Negreiro: "Auriverde pendão de minha terra, / que a brisa do Brasil beija e balança, / estandarte que a luz do sol encerra / e as promessas divinas da esperança... / Tu que, da liberdade após a guerra, foste hasteado dos heróis na lança / antes te houvessem roto na batalha, / que servires a um povo de mortalha!...".
Poesia é confrontar a lógica dos sentimentos e Camões nos deu este presente: “Amor é fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói, e não se sente; / é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer...”. Esse amor sofrido e necessário é calmaria com Vinicius de Moraes: "De tudo, ao meu amor serei atento / antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / que mesmo em face do maior encanto, / dele se encante mais meu pensamento...”.
Chico Buarque tirou do calçamento um bloco de pedra e deu a ele a cadência de um samba revolucionário: “Vai passar / nessa avenida um samba popular / cada paralelepípedo / da velha cidade / essa noite vai se arrepiar...”. E Drummond? O mago de Itabira, que pôs uma pedra no caminho e a poesia nem por isso tropeçou em sua estrutura macia e leve, tão leve como a pluma de Jobim, “que o vento vai levando pelo ar...”.
Mas, precisa haver motivo para a poesia acontecer? Cecília Meireles sabe que o motivo, por si só, já é um poema: “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta...”. Haveria alguma incoerência no topo da composição que se eternizou na voz da Cássia Eller: “Eu sou poeta e não aprendi a amar...” , pois, como alguém, poeta, não saberia amar?
A malandragem da letra de Cazuza é um poema cantado nas vozes das multidões, porque poesia é isso, meio malandragem, meio ternura, meio de tudo um pouco. Utopia? Talvez! E todo talvez é uma promessa de algo que se sonha no coração, aquele coração civil de Milton, com mil tons de encantamento, pois, “se o poeta é o que sonha o que vai ser real / bom sonhar coisas boas que o homem faz / e esperar pelos frutos no quintal...".
*A autora é jornalista e colunista de A Voz da Serra
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