Este é o 14º álbum da carreira “tardia” do compositor, cantor e produtor Arnaldo Miranda, que estreou aos 53 anos, em 2011, com o álbum Flores da Serra. Anteriormente dedicado ao teatro, com textos premiados e encenados por todo o Brasil, o poeta friburguense produz o seu trabalho de forma independente — é autor de mais de 25 títulos em poesia, prosa e teatro (disponíveis nas principais livrarias digitais) a partir da sua casa de criação, a Cia do Ar. Ações em Cultura.
Não exatamente de mal com a vida, mas um pouco distante dela, ele afirma, por exemplo, que o carro era um bom lugar para se ouvir um disco (CD) e que agora isso acabou. Em resposta aos que discordam dele, é enfático ao defender seus argumentos:
“Ouvir uma playlist em um pendrive não é ouvir um disco ― porque quando você ouve um disco, seja no carro ou na sua casa, é como se você lesse um livro, ali está a unidade do pensamento do artista, o conceito que ele propõe para aquele álbum.
Já na playlist as coisas vêm misturadas, numa sequência que não foi a projetada pelo artista, daí que a gente tem uma perda de linguagem com essas novas tecnologias que, do meu ponto de vista, é prejudicial à apreciação do trabalho.
Creio que dentro de mais 20 anos, já não teremos artistas como aqueles que formaram a minha geração e as gerações recentes. Ninguém vai botar uma música para chorar sozinho, num canto escurinho, por amor ou de tristeza pela perda de um ente querido. Essa função mais íntima que a música brasileira desempenhou tão bem durante os últimos 50 anos está praticamente em desuso.
Meu sentimento é que estamos perdendo coisas substanciais nesse processo de transformação tecnológica. Mas eu sou um velho, alguém que está se despedindo de um mundo que já se acabou... As novas gerações terão de encontrar outras formas de alimentar a sua vida interior ― e teve uma época em que a música brasileira fez isso super bem ―, porque sem sentimentos e emoções o homem perde o seu sentido como ser no mundo.”
“Sabe quanto ganha um artista?”
O por quê de seu pessimismo. Recluso há 20 meses em sua casa de Friburgo, com rápidas escapadas ao Rio para visitar a família, ele está às voltas com um romance musical que tem a região serrana fluminense como paisagem de fundo.
Nesse meio tempo, viu desaparecer os CDs (das casas, dos carros e mesmo as lojas de rua que os vendiam) e a música se mudar, de trilhas e clipes, para dentro das plataformas de streaming. “Um artista como eu”, diz ele, “não tem mais como vender o seu trabalho por um valor razoável.” E exemplifica:
“Sabe quanto um artista ganha se sua música for ouvida por 22.124 pessoas no YouTube? Apenas R$ 1. Se ela for para o SpotifyFree, outro realzinho se tocar 16.620 vezes. A Apple paga melhor, um real para cada 862 vezes que a música for executada. Por isso fiz meia volta e tento unir literatura com música, porque o livro é um suporte físico que, por enquanto, o meio digital ainda não conseguiu desbancar. Ainda.”
A letra inspira a melodia...
Arnaldo ensina que o rouxinol é uma espécie migratória estival que procria em florestas e moitas na Europa e no sudoeste da Ásia. Mas, que esta ave de belo canto está presente agora ― pelo menos como inspiração ― nos cocurutos do leste da serra do Mar, mais precisamente na região serrana do Rio de Janeiro, graças ao novo álbum duplo do compositor, lançado pelo selo Flamingo Edições.
“Sempre trabalhei letra de música como poesia”, diz, acrescentando que os dois volumes da obra homenageiam a bossa nova, “gênero musical que colocou a música brasileira definitivamente no circuito internacional”.
Ao se definir como um compositor fora do tempo, conta que sua formação se deu com a música popular brasileira da geração que o antecedeu: “Foi aquele pessoal todo dos anos 1960/1970, para o qual a letra tinha um peso especial para um público também especial que viajava nas letras das canções.
Não acho a letra mais importante que a canção, mas, no meu caso, é a letra que inspira a melodia, na maioria das vezes, e é uma letra que tenta dizer alguma coisa, provocar quem ouve com alguma ideia meio fora da casinha. Isso, hoje em dia, já não é tão importante, as letras ficaram mais descritivas, mais diretas, sem tantas metáforas.
“Esse é um disco de canções de amor com uma pitada de humor. Para quem entende que essas duas coisas se fundem e se confundem, creio que ele vai bem aos ouvidos.”
Serviço
As canções começaram a ser escritas na primavera de 2008, mas o álbum só começou a ser gravado a partir de 2012 e se estendeu até 2018. Parte do repertório foi gravada ao vivo no estúdio Umuarama (Rio), as demais gravações de piano no célebre Cia dos Técnicos (idem), e o restante, incluindo mixagem e masterização, no antigo Midstudio, em Friburgo.
Os músicos são os que sempre o acompanharam: Jouber Alves, bateria; Edson Lôbo, contrabaixo acústico; Marcelinho Martins, contrabaixo elétrico e guitarras; Tiquinho Santos, órgão; Cristóvão Bastos, piano.
Nos violões, Fernando Dias, Franco Alencar e Caio Marcio dos Santos. Nos vocais, Henrique Oliveira e Claudia Gonzaga (arranjos e vozes), com a participação de Pablo Lemos em duas faixas.
Os arranjos de base das canções estiveram a cargo de Anderson Erthal, Marcelinho Martins, Tiquinho Santos e do compositor. O arranjo para a canção-tema Rouxinol é do violonista Paulo Newton, depois transposta para o piano.
“A ideia era usar o mínimo de instrumentos na base e, de vez em quando, surge lá uma guitarra elétrica ou semi-acústica ou um órgão para criar uma variação. Mas a base é uma só”, explicou.
A obra é distribuída pela aglutinadora americana CD Baby, disponível desde o dia 12 de novembro, em todas as plataformas de streaming, inclusive na chinesa Tik Tok, que solicitou o catálogo do autor.
Também na página http://www.ciadoar.art.br/cancao-inicio.php é possível acessar a discografia completa do poeta. No próprio site, constam quatro novos álbuns (em pré-produção) para lançamento futuro.
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