Em 1955, o samba “Mora na Filosofia”, com letra elaborada por Monsueto Menezes em parceria com Arnaldo Passos, foi escolhido “o samba do ano” e “música mais do que perfeita”, considerado até hoje como um dos mais belos sambas da MPB. Gravado originalmente por Marlene, na década de 70, depois recebeu a magistral interpretação de Caetano Veloso.
Decisões exigem avaliação criteriosa, pensada, refletida. E a letra de “Mora…” não deixa de ser um exercício de filosofia, tema do samba que se tornou um clássico.
“Eu vou lhe dar a decisão:
Botei na balança e você não pesou.
Botei na peneira e você não passou.
Mora na filosofia pra que rimar amor e dor.
Se seu corpo ficasse marcado,
por lábios ou mãos carinhosas.
Eu saberia, ora vai mulher,
a quantos você pertencia.
Não vou me preocupar em ver,
seu caso não é de ver pra crer.
Tá na cara!”
Na música, o “eu lírico”, depois de fazer suas análises de comportamento da mulher com quem vivia uma relação amorosa, resolve por fim àquela história, encerrar o envolvimento sentimental.
Eu vou lhe dar a decisão
Botei na balança e você não pesou
Botei na peneira e você não passou
Como se diz, geralmente, quando se chega a uma conclusão, ao “veredito!”. Com cuidado fez todas as apreciações necessárias no caso. Quando se coloca algo na balança e esse algo sequer mexe os ponteiros, indicando seu peso, é sinal de que não vale nada. A peneira é um instrumento que permite depurar o que é importante e útil. Se nada passar é porque nada serve, pode ser desconsiderado, preterido. Esse foi o resultado ao avaliar melhor aquela mulher, que até então tinha como seu amor.
Mora na filosofia
Pra que rimar amor e dor
A sabedoria popular já nos ensinou que não dá para compatibilizar prazer e sofrimento. Não dá para rimar essas duas expressões de sentimento e emoção. Não se ajustam, não se harmonizam, não combinam.
Se seu corpo ficasse marcado
Por lábios ou mãos carinhosas
Eu saberia, ora vá mulher
A quantos você pertencia
Imagina que, se beijos e carícias deixassem marcas no corpo, ele não teria dificuldade em perceber quantas foram às vezes em que ela se entregou a outros parceiros. Pede que não insista em querer enganá-lo.
Não vou preocupar em ver
Seu caso não é de ver pra crer
Tá na cara
No entanto, não faz disso uma preocupação. Não precisa ter as provas, “ver pra crer”, está estampada no seu rosto a prática da infidelidade, “tá na cara” que ela não é a mulher da sua vida.
Um modo de pensar…
Os autores do samba demonstram profundo conhecimento da alma humana e de sua estreita ligação com sentimentos e ideias. Não importa se os saberes reconhecidos na letra do samba buscam o saber letrado ou mantenham relações com conceitos enunciados por filósofos clássicos.
A filosofia transcende o saber ilustrado, é mais do que um conjunto de conhecimentos prontos, ou um sistema acabado, fechado em si mesmo. A filosofia é, antes de tudo, um modo de pensar a realidade objetiva. É uma postura que decide pensar além do mundo, além do que se vê.
Ela nos fornece elementos para a reflexão e, por meio deles, cria o instrumental necessário para poder transformar a realidade objetiva. “Penso, logo existo!”, nos diz o filósofo, afirmando a existência do homem como construtor da sua própria realidade.
Por fim, a filosofia nos ensina a pensar e a buscar outras possibilidades além das mais óbvias. Pouco adianta querer confinar-se a filosofia ou querer reduzi-la a um lugar menor. Ela é o que agiganta a pessoa e dá à sua vida um conceito maior. Em tudo, em todas as atitudes, há sempre uma razão. Se ignoro o princípio, sempre há outro que lhe conhece a origem.
(Fontes: eternas-musicas.blogspot.com / idelt.org.br/)
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