Psicóloga orienta como manter a saúde mental das crianças

“Precisamos adaptar nossas expectativas, em vez de tentar ajustar a criança a todo cenário", diz Lívia Moura de Andrade
sexta-feira, 09 de outubro de 2020
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
A psicóloga Lívia Moura
A psicóloga Lívia Moura

Diante de uma pandemia, a saúde mental das crianças pode ser afetada pelos efeitos da quarentena e tudo que isso implica. Ainda que elas sejam igualmente vulneráveis à contaminação, as manifestações dos sintomas quase não aparecem ou são mais brandos do que nos adultos e idosos. Entretanto, a vulnerabilidade psicológica deles pode ser maior. As mudanças na rotina escolar e as questões de convivência exigem atenção especial e medidas preventivas mais eficazes. 

Para falar dessas questões, entrevistamos Lívia Moura de Andrade, psicóloga formada pela UFF, especialista em psicologia da saúde pela PUC-Rio, membro da Associação Psicanalítica de Nova Friburgo e psicóloga clínica na Associação dos Pais e Amigos da Criança / Apac.

AVS: Como você analisa o momento pelo qual estamos todos passando?

Lívia Moura: Estamos vivendo um momento muito delicado que tem transformado nossas rotinas, hábitos e relações. É um período repleto de incertezas e inseguranças. Nesse contexto, é importante entendermos que estamos vivendo algo atípico e, por isso, não teremos solução para todas as questões.

Como as crianças estão reagindo?

As respostas das crianças a eventos estressantes são únicas e diversificadas, podendo variar entre sintomas de estresse e ansiedade, irritabilidade e agitação, medos, alterações nos padrões de sono e alimentação, sensibilidade emocional (maior necessidade da proximidade dos pais, choro frequente), além de comportamentos e habilidades “regredidos” previamente adquiridos, como enurese noturna, uso de chupeta etc. 

Que são resultados exatamente de quê?

Tais alterações podem estar relacionadas a privação do convívio social, ausência de rotina, excesso de exposição as telas, falta das brincadeiras livres com os amigos, afastamento de familiares, a morte ou ameaça de morte que pode passar a ser um assunto recorrente na família e nas mídias. Essas reações novas e desafiadoras são respostas naturais e cabe a nós, adultos, auxiliar, demonstrando paciência, acolhimento e abrindo um espaço de escuta.

Como explicar para as crianças o que está acontecendo, o motivo de não poder ir à escola, nem encontrar avós, amigos?

Quando falamos sobre crianças é comum o pensamento de que são pequenas demais para entender a real situação, porém devemos estar dispostos a explicar com carinho e verdade o que precisa ser dito, levando em consideração a idade da criança e seu nível de compreensão, ou seja, dizer a verdade de maneira apropriada à faixa etária, colocando-se presente para tirar dúvidas e acolhendo suas preocupações e medos.

Os distúrbios que algumas crianças vêm apresentando podem afetá-las no futuro?

Transformações comportamentais e emocionais são esperados no período de pandemia, uma vez que estamos todos vivendo um momento delicado. Porém, é preciso estar atento ao nível de prejuízo que essa criança está apresentando. É essencial permitir que a criança expresse o que está sentindo e, caso perceba necessidade é importante a busca por um profissional, exatamente para evitar dificuldades futuras.

O que pode ser feito para amenizar o isolamento?

Antes de mais nada é importante esclarecer que distanciamento social não precisa significar isolamento social. Crianças necessitam viver tempo de qualidade com seus cuidadores, estimulando a resiliência às adversidades. Levando em consideração nosso atual momento, podemos pensar em abordagens para manter a conexão, tais como ligação de vídeo, escrever cartas, preparar presentes de forma artesanal. É fundamental o uso da criatividade para fortalecer nossos vínculos.

Como os pais podem organizar a rotina dos filhos?

Em relação à atividade escolar, é interessante que o responsável desenvolva uma rotina, proporcionando uma sensação de segurança e previsibilidade. A rotina, além de desenvolver o senso de segurança, é muito importante para a função executiva, como por exemplo a organização. Porém, estamos falando de um contexto delicado, sendo assim é interessante olhar para as situações com carinho, flexibilidade, respeitando as necessidades e o ritmo de cada criança. 

O que mudou na forma de tratar seus pacientes?

Apesar de haver uma grande influência dos recortes socioeconômicos na vida cotidiana e no desenvolvimento dessas crianças, a pandemia apenas descortina as dificuldades já existentes enfrentadas por algumas famílias. Precisamos adaptar nossas expectativas ao invés de tentar ajustar a criança a todo cenário. Elas estão em um processo rico de aprendizado e desenvolvimento, explorando o mundo e as relações. Regular as expectativas do adulto não significa admitir qualquer tipo de comportamento, mas trazer leveza e flexibilidade para essa relação.

Impactos da ausência da rotina escolar

Considerando que o estresse psicológico é um dos mais relevantes fatores de risco passíveis de prevenção, antecipar ações favoráveis ao controle dessas intercorrências nas crianças é fundamental à proteção contra os efeitos da quarentena. Os transtornos mentais decorrentes de situações estressantes podem tomar maiores proporções na pandemia e prejudicar o desenvolvimento mental e físico.

Assim, é necessário minimizar os impactos negativos das mudanças de rotina, principalmente no que se refere às alterações do ambiente com aulas presenciais para o universo digital. Tais transformações ocorreram rapidamente, por isso nem todas as crianças, principalmente as que já frequentam escolas, conseguiram adaptar-se de forma segura.

Além disso, a ausência dos colegas e a falta de interação com a comunidade escolar aliadas à responsabilidade de cumprir, às vezes, sozinho, as tarefas da escola, afeta diretamente a estabilidade emocional de crianças. 

Quando procurar ajuda de um profissional 

Ninguém é forte o tempo todo. Todos temos nossos momentos mais difíceis e estes precisam ser respeitados. Por vezes, os conflitos interpessoais transbordam nossas possibilidades naquele momento e a busca de ajuda pode ser norteada pela intensidade das reações, dos sintomas e sua duração. Vale estimular cada membro da família a observar sua necessidade. A companhia de um profissional da psicologia pode ser uma das providências tomadas pelos adultos responsáveis. Em momento de pandemia, o desafio das terapias on-line, de crianças pequenas, inclusive, se agrega. Ainda que virtualmente. O importante é a qualidade dos encontros e, felizmente, podemos contar com a tecnologia.

Sinais de alerta

  • insônia;

  • irritabilidade;

  • crise de ansiedade;

  • dificuldade para adaptação ao confinamento;

  • falta de paciência para lidar com os pais e irmãos;

  • tendência ao desenvolvimento de episódios depressivos;

  • pensamentos e emoções resultantes de situações estressantes.

(Fonte de pesquisa: Fiocruz)

 

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