No Dia Nacional do Teatro, a luta, a agonia e o clamor dos nossos artistas

A VOZ DA SERRA ouve agentes para saber como está a vida cultural em Friburgo e os movimentos em defesa do setor
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
No Dia Nacional do Teatro, a luta, a agonia e o clamor dos nossos artistas

Como criaturas encantadas, artistas ocupam os palcos, os picadeiros, vão às ruas e praças para nos divertir e comover. Nos cutucam com suas histórias de amor e dor, com seus dramas, tragédias, comédias. Nos levam a refletir, ou simplesmente esquecer, aplacam nossas aflições, nos fazem sorrir, rir ou gargalhar. Ou ao choro incontido, necessário.

Através da interpretação de personagens inesquecíveis, com suas falas, cantos, danças, os artistas nos revelam o universo de sentimentos que há dentro de cada um de nós e que muitos não conseguem expressar. Falam por nós, são nossos espelhos.

Há pouco mais de um ano, em 24 de agosto de 2019, Dia do Artista, A Voz da Serra abriu espaço para que alguns de nossos artistas se manifestassem sobre o significado e a importância das artes em suas vidas. Planos, projetos, perspectivas, expectativas, nada faltava, tudo haveria de acontecer. 

O tempo passou, 2020 chegou e com ele toda a carga dramática de uma pandemia, uma crise planetária com suas imprevisíveis consequências. Estamos de volta, mas desta vez confinados, isolados socialmente. E os teatros vazios. 

Agora, mais do que nunca, precisamos saber: como estão nossos artistas, como estão vivendo, o que têm a dizer, do quê querem falar? Vejamos:

Chico Figueiredo, ator, diretor, produtor

“Sabe... por incrível que pareça essa última semana me vi envolvido e tomado pela comoção devido o triste momento que o setor cultural, de modo geral, e o teatral, em particular, tem vivido. Uma amiga minha, atriz carioca, que vive no Rio, publicou no Facebook que passou o dia inteiro, chorando. 

Os artistas estão sem chão, no escuro, perdidos. Não há brilho, não há luz, não há público, nem aplausos. Estamos vivendo uma fase inimaginável, diria desesperadora, mesmo. Seremos os últimos a recuperar a arte, a Arte em todas suas instâncias. 

São milhares de profissionais à deriva. Iluminadores, produtores, atores, cenógrafos, figurinistas, aderecistas, camareiros e maquinistas, sem rumo, sem perspectivas! Como resolver? Não sei. 

Certamente, o Jaburu — Julio Cezar Seabra Cavalcante, fundador do GAMA — se ainda vivesse entre nós, estaria arquitetando alguma coisa que ajudasse ou amenizasse esse momento. Quem sabe, forças sobrenaturais façam acontecer o que tanto desejamos?

Nunca vi na história da arte friburguense tantos esforços, nos últimos anos para reaver nossos espaços. Por enquanto, nos resta elevar a nossa voz, mesmo sem palco e plateia. 

O movimento ‘Volta Centro de Arte’ é muito importante. Representa todos nós, funcionários da arte. A falta desse espaço parece querer calar nossa voz. Mas, não calará! 

Acredito que esse momento nos propõe a oportunidade de encontrar novas maneiras de agir. Não podemos mais viver à margem dessas figuras políticas que não nos representam. Vamos continuar na luta para mudar esse quadro. Pessoas temos, talentos não nos faltam. Cabe a nós decidir. Viva a Arte! Viva a Cultura! Viva o Centro de Arte!”

Daniela Santi, atriz, diretora, produtora

“Volta Centro de Arte! Se a arte dignifica as almas humanas, enriquece o intelecto e melhora a convivência, por que retiraram uma das casas de arte mais emblemáticas de Nova Friburgo, impedindo nosso labor? 

Ser ou não ser combativo? Eis a questão. Pois, o que será mais justo neste momento? Calar e, passivamente, aguardar a boa vontade dos governantes, ou levantarmo-nos contra um mar de dificuldades, entraves burocráticos, leis aprovadas sem consulta pública e em final de mandato, combater os empecilhos criados e lutar pelo que acreditamos ser o correto, e por fim a esta história que dura desde 2011? 

Artistas calados são artistas mutilados. Cansamos. Queremos o nosso lar ativo e vibrante. Por isso em coro erguemos nossa voz e em uníssono clamamos: Volta Centro de Arte!”

Bernardo Dugin, ator, diretor, produtor

“Fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a retornar. Isso reflete a não prioridade do poder público em relação a arte. Queremos sim, voltar, com todos os protocolos de segurança. 

Qual a diferença de um avião, de um ônibus lotado, de um restaurante, de um salão de beleza, de uma academia para um cinema ou teatro? Mas como tenho um espírito proativo, nesse período investi em projetos parados, estruturei ideias e estou produzindo dois espetáculos em formato de teatro virtual, na direção também de um deles. 

Não sei se teatro virtual é o melhor termo. Prefiro dizer que é uma nova experiência. Também tenho a sensação de que se a pandemia passasse e eu não tivesse experimentado um novo desafio, eu sairia frustrado.

Com a pandemia e a proximidade das eleições, também senti uma maior união da classe artística. Apesar do cenário parecer desolador, isso de alguma maneira me anima.”

Wilson Wagner, ator, diretor, produtor

“Em mais de 35 anos de teatro, sempre achei que já tinha passado por todas as dificuldades do setor em nossa cidade. Dentre elas, destaco a que considero principal, a ausência do Centro de Arte, que já dura nove anos. Trata-se de um espaço vital para as temporadas teatrais e exposições, que teve sua reabertura prometida por todos os candidatos a prefeito em eleições passadas. Hoje, temos praticamente uma geração privada desse espaço. Daí apareceu a maior dificuldade de todas: a pandemia que abalou inúmeros setores e, em cheio, o cultural. 

O Grupo em Grupo de Artes Cênicas, que tem mais de 30 anos de atividade em nossa cidade, do qual além de produtor e ator, sou tesoureiro, tinha estreia prevista de sua nova montagem, “O crime roubado”, de João Bittencourt, para julho. Os ensaios estavam sendo realizados nos últimos 10 meses que antecederam a pandemia, e a produção estava praticamente concluída. 

Sem o recurso da bilheteria programada, as despesas com a produção, e pelo fato do Grupo ser pessoa jurídica, as despesas com contador, alvará, cartório etc continuaram, o que levou a diretoria a decidir pelo encerramento da pessoa jurídica, decisão revogada recentemente, com a possibilidade de recebimento de recursos da Lei Aldir Blanc, para manutenção desse tipo de entidade. 

Caso isso não aconteça, o Grupo colocará em prática a finalização jurídica por não poder mais arcar com as despesas, mas seguirá com seu propósito de entretenimento cultural, pelo menos enquanto seus componentes mantiverem o prazer pela arte do teatro.

Sinto muita tristeza por, justo no Dia Nacional do Teatro, continuar falando das mesmas dificuldades, da falta de apoio privado, da falta de políticas públicas de incentivo, da falta de vontade política. 

E quando tenho que citar a ausência do Centro de Arte, espaço que em qualquer lugar do mundo que se preocupa com a história cultural, jamais estaria fechado há tanto tempo, parece um dejavú. Já perdi a conta de quantas vezes nos últimos anos fui convidado a falar sobre isso. Mas é bom falar, enquanto houver espaço para falar, vou clamar pelo ressurgimento desse templo da cultura friburguense que nunca deveria ter saído de cena. 

Nós, os artistas, procuramos durante essa ausência manter nossas atividades em outros picadeiros, sem jamais esquecer e desejar a volta desse reduto artístico. Espero que, no pós-pandemia, com todos os valores individuais e coletivos revistos, com todo o aprendizado que as dificuldades desse momento está nos trazendo, e também com a possibilidade de novos gestores públicos, um espaço maior para o setor cultural seja criado nas pautas das reuniões decisivas para o futuro de nossa cidade.”

Gabriela Ribas, atriz, professora de teatro, produtora

“​Exercer minha profissão em Friburgo é um desafio, um grande exercício, um constante recomeçar. Uma vez que não há políticas públicas para o desenvolvimento e fomento da atividade teatral e os pouquíssimos espaços públicos para apresentações teatrais estão fechados, ou funcionando precariamente, as produções se tornam inviáveis economicamente.

A atividade profissional do setor teatral vem sendo relegada ano após ano, governo após governo, a ponto de tornar quase impossível a sobrevivência dos profissionais do setor em nossa cidade, o que leva nossos jovens artistas a deixarem a cidade, em busca de mercado de trabalho, melhores condições de vida e de rendimentos.

Ora, se Nova Friburgo não tem espaço para seus jovens profissionais e eles precisam se mudar para a capital para exercer dignamente sua profissão, como poderá haver desenvolvimento cultural em nossa cidade? Se os artistas residentes na cidade precisam ter outros trabalhos para garantir o seu sustento, sem o direito de dedicar-se à sua profissão, como poderão trabalhar o suficiente para oferecer qualidade artística e técnica necessárias à ampliação do mercado e às demandas profissionais?

Como professora de teatro encontrei excelentes artistas, profissionais dedicados que foram embora. A cidade perde, todos nós perdemos! Tê-los entre nós pode significar contar com sua força de trabalho e criação, para a garantia do direito constitucional de acesso aos bens culturais, a todos os cidadãos.

O teatro é uma manifestação artística presente na história da humanidade desde os tempos mais remotos e sua evolução diz muito sobre o desenvolvimento das sociedades.

Sabemos que o setor cultural tem grande importância tanto para o desenvolvimento humano quanto para o econômico, portanto, precisamos que os governos cumpram seus deveres constitucionais, para que tenhamos o direito de exercer dignamente nossas profissões. 

Esses fatores me fazem acreditar na importância do meu trabalho e redobra meu desejo e minha força para atuar no interior, onde minha atividade se faz ainda mais necessária.

Em 2008, junto a um grupo de artistas, fundei a Companhia Arteira, um coletivo de teatro, que atua continuamente – sem interrupção, desde então. Temos 10 peças de teatro em repertório, promovemos oficinas, encontros e cursos.  Fazemos teatro nas praças, para todos.

Nossa missão é pesquisar e apresentar as diversas possibilidades da linguagem teatral, buscando caminhos de encontros expressivos com a música, as artes plásticas, a dança, o circo, as culturas populares, a literatura, o cinema, em múltiplos espaços, para um número cada vez maior de pessoas, com o objetivo de contribuir para um mundo melhor.

Por hora, sem poder estar nos palcos, nas praças, escolas, ruas ou nos espaços de cultura e arte, a Companhia Arteira continua em constante estudo, pesquisa, aprimoramento e processo de criação. Apesar das dificuldades, estamos dedicados a manter nossas atividades e a encontrar maneiras de garantir autonomia financeira para a continuidade de nossas ações.

Esperando pelo fim desses tempos difíceis, nos preparamos para o momento em que o encontro real será possível, para oferecer ao público um trabalho cada vez melhor. Enquanto isso, seguimos buscando formas de continuar produzindo arte, poesia, cena, alegria, diversão e teatro possível, através do nosso canal no YouTube: http://youtube.com/companhiaarteirateatro.”

Jorge Ayer é músico, presidente do Conselho Municipal de Política Cultural e do Fórum Serrano de Cultura. 

 “A lei de Emergência Cultural Aldir Blanc é fruto de um processo de ampla mobilização da comunidade cultural brasileira e de um trabalho coletivo que buscou expressar as mais diferentes vozes, em um encontro dos agentes de diversos setores do mundo político, cultural e social e trará para os municípios e estados um volume de dinheiro inédito para ser aplicado exclusivamente na Cultura, através de dois tipos de mecanismo: direto e indireto.    

Os mecanismos diretos estão dispostos em três incisos: o inciso I trata do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores e trabalhadoras da cultura e será pago pelo estado e não pelo município; o II trata do auxílio emergencial para empresas e coletivos culturais; e o III trata de editais de fomento e premiações. 

Já os mecanismos indiretos dizem respeito à extensão de prazos de prestação de contas e de certificados de captação e cria uma linha de juros subsidiada com carência de 180 dias a contar da data do fim do Decreto de Calamidade Pública e com 36 meses para pagamento, com juros subsidiados (até o momento nenhuma instituição pública ofereceu essa linha de crédito).

Um aspecto importante na lei é o que diz respeito aos critérios para acesso a um dos benefícios: o trabalhador(a) da cultura e/ou as empresas e coletivos precisam estar em um cadastro homologado, quer seja federal, estadual ou municipal. Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Política Cultural construíram um mapeamento cultural que está em fase de conferência e homologação, para cumprir as exigências da lei. 

Além da inscrição digital, a Secretaria de Cultura fez postos volantes por toda a cidade, como forma de garantir o acesso ao cadastro por todos os interessados. Ao mesmo tempo, o Conselho Municipal de Cultura fazia diversas reuniões com os segmentos artísticos da cidade, explicando o funcionamento da lei e colhendo sugestões para a elaboração do plano de ação que está sendo escrito pelo Comitê Gestor da Lei Aldir Blanc, composto por membros do poder público e da sociedade civil de forma paritária, a partir dos dados obtidos no mapeamento cultural.

Para fazer o pedido do auxílio emergencial de R$ 600 é necessário ter uma conta na plataforma <gov.br>. Quem ainda não tem, deve abrir essa conta, e o procedimento é bem simples. 

Para receber esse auxílio será necessário a comprovação de atuação nas áreas artística e cultural nos 24 meses imediatamente anteriores à data de publicação da lei, e: não ter emprego formal ativo; não ser titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família; ter renda familiar mensal per capita de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos, o que for maior; que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 e não serem beneficiários do auxílio emergencial previsto pela Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020.

Há uma enorme expectativa de que a Lei Aldir Blanc signifique um ponto de inflexão na cultura da cidade e do país, quer pela possibilidade de novos repasses do Fundo Nacional de Cultura, quer pela enorme mobilização que está em curso não só na comunidade cultural, mas também na sociedade como um todo, já que ela é beneficiária direta das ações culturais. 

É preciso pensar em uma política cultural que seja estruturante e de longo prazo, nos planos federal, estadual e municipal. Afinal, está mais do que na hora de o Brasil conhecer o Brasil e nada melhor do que a força da nossa cultura para isso!”

(NR: O governo do Estado informou na sexta-feira, 18, a abertura de cadastro para renda emergencial da Lei Aldir Blanc. Os profissionais da cultura poderão fazer o pedido do auxílio em nova plataforma digital, a partir de segunda-feira, 21).

 

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TAGS: Teatro