Muita gente acredita que sabe tudo o que é preciso para ser jornalista. “Ser imparcial”, “ouvir os dois lados”, “se ater aos fatos sem tomar partidos”, “ter um bom texto”. Não admira que já não se exija diploma universitário, ou mesmo registro profissional, para o exercício da profissão. Basta observar com atenção os últimos 15 anos da história mundial, no entanto, para ser confrontado com os efeitos das redes sociais e das ferramentas de comunicação sendo largamente utilizadas por quem não foi exposto à experiência acumulada por quem aprendeu a se antecipar aos efeitos de cada palavra mal-utilizada, cada narrativa adotada, cada afirmação não comprovada ou mesmo deliberadamente inventada.
Sob narrativas sedutoras, como “o povo acordou”, “a mídia está desesperada”, “isso eles não querem que você saiba”, parece crucial perguntar: informações apócrifas têm se revelado mais confiáveis? Ou apenas mais convenientes a interesses cada vez menos disfarçados? Nossa sociedade está mais protegida, ou simplesmente desviando o olhar daquilo que prefere não ver?
Quase todo mundo toma a si mesmo como referência de isenção. Em verdade, requer muita coragem ser capaz de olhar para si mesmo e admitir as próprias limitações interpretativas, reconhecer a possibilidade de estar errado, questionar se as certezas são mesmo certezas, ou mesmo reconhecer virtudes onde existe antipatia e rejeição, ou falhas em meio àquilo que se desejaria defender.
Para grande parcela da população, portanto, será aceito como verdade aquilo que venha a confirmar o que já se acreditava de antemão, o que possa confirmar e dar legitimidade às narrativas previamente concebidas ou abraçadas, e essa dinâmica pode tornar a busca pela verdade algo não apenas inconveniente, mas por vezes perturbador.
Os casos de agressão a jornalistas no exercício da profissão – e já vimos episódios como esses aqui mesmo, em Nova Friburgo – são a manifestação mais irracional e indisfarçável desse tipo de rejeição à verdade, da falta de paz oriunda do negacionismo, da tensão constante à qual se submete quem passa a depender de construções narrativas a fim de encaixar qualquer fato novo à interpretação desejada. De fato, quem se esforça por calar um jornalista, quem se torna incapaz de conviver com narrativas diferentes daquelas desejadas, está em inegável luta para amordaçar a própria consciência.
Todo mundo gosta de sentir que tem razão, todo mundo gosta de se sentir especial, mais inteligente que a média, ou de acreditar que vê mais do que os outros. É da natureza humana sentir alívio ao ver justificados os próprios preconceitos, ou experimentar satisfação diante da crença de que está fazendo a própria parte por um mundo melhor. Tais predisposições são conhecidas por todos os comunicadores experientes, mas jamais seriam exploradas por profissionais verdadeiramente éticos e comprometidos com a busca pela verdade.
Há que se observar, portanto, que relatar complexidades, narrar fatos “desagradáveis” ou que deem margem a ponderações que preservem os tons de cinza que efetivamente descrevem a realidade são marcas de um jornalismo que conserve o respeito pela opinião de quem o consome. Por outro lado, simplificações, maniqueísmos, generalizações, estereótipos, preconceitos, teorias conspiratórias e ataques a fontes sérias de informação – que em essência condensam a seletividade e as injustiças que tornam possível a polarização nos níveis vividos atualmente – são marcas inconfundíveis da comunicação mal-intencionada, de pretensões manipulatórias, que inevitavelmente parte do desrespeito à capacidade de interpretação de quem lhe dará crédito.
Talvez não seja exagero, portanto, ponderar que nunca foi tão importante lutar em defesa da liberdade de imprensa quanto no contexto atual. Num momento em que as ferramentas em poder de máquinas propagandistas parecem caminhar para tornar possíveis previsões distópicas encontradas em romances como Admirável Mundo Novo 1984, ou Farenheint 451, lutar pela liberdade de imprensa, pelo apoio à comunidade acadêmica e científica ou pela isenção de órgãos de levantamentos de dados são posturas decisivas para quem ainda conserva o necessário respeito pelas próprias opiniões, quem exige contrapartidas sólidas em troca do próprio convencimento, quem espera que posturas pessoais e políticas públicas sejam formuladas a partir da análise não seletiva de evidências confiáveis.
Há muitos anos, os leitores de A VOZ DA SERRA têm testemunhado a luta de um veículo impresso, de interior, por continuar sua longa missão de informar, mantendo sua linha editorial alheia a pressões externas. Coberturas factuais, ou mesmo elogios ou críticas em colunas assinadas, não foram de forma alguma afetados por questões de natureza econômica, em enfrentamento a velhas estratégias de controle que tratam, muitas vezes, a publicidade de atos oficiais como um favor, ou uma moeda de troca. Isso, caro leitor, é sinal inequívoco de respeito pelo seu direito de ser bem informado.
E é por esse tipo de postura que temos legitimidade para dizer que a luta em favor da verdadeira liberdade de imprensa não é, de forma alguma, um interesse restrito a jornalistas. Ao contrário, ela deveria ser considerada prioritária para qualquer sociedade que ainda esteja disposta a se levar a sério.
*Marcio Madeira é jornalista e colunista político de A VOZ DA SERRA
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