A produção de informação e interações pelos meios eletrônicos atingiram valores exponenciais e ainda não processados pela sociedade. O mundo do big data é apresentado como o grande ativo do século XXI que gera mais dúvidas do que certezas na sociedade líquida e pós-pandêmica. Nesse contexto, qual é o olhar que pode ser lançado para a tessitura e apreensão do significado da liberdade de imprensa?
O fenômeno é complexo, dadas as condicionantes que fervilham no cenário político, global e local. Para tanto, a análise proposta perpassa por três eixos. Quanto ao primeiro, é preciso delinear o contexto atual dos múltiplos atores que exercem a liberdade de imprensa. Em um segundo momento é preciso apontar possíveis limites quanto ao uso. O ponto derradeiro propõe um desenho que assegure a institucionalidade do exercício da liberdade de imprensa.
No ano de 2016 o Dicionário Oxford escolheu como termo do ano a já conhecida Post-truth (pós-verdade). Assim, a ideia da pós-verdade revela circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais. Nesse contexto, com facilidades de inserções de notícias por uso de aplicativos de trocas de mensagens, a produção de notícias e apurações dos fatos ficaram pulverizadas.
Os tradicionais meios de comunicação que utilizam técnicas de checagem de fontes, validação e apuração da informação, sofreram impactos das produções de notícias falsas propagadas pelos algoritmos e robôs que falseavam os fatos e serviam como formadores de opiniões. O impacto imediato desse fenômeno foi o resultado do referendo britânico (Brexit) e as eleições presidenciais dos Estados Unidos.
As disseminações de fatos que não foram validados por meios de comunicação comprometidos com a verdade geraram riscos para a democracia, em especial para a proteção constitucional da liberdade de imprensa que exerce relevante instrumento de cidadania. As bolhas ideológicas nas redes sociais criaram o cenário ideal para que as análises provenientes de meios de comunicação fossem descaracterizadas e mundos paralelos não verificáveis no plano factual fossem aceitos como verdades absolutas.
Em função do clima polarizado que a sociedade vivencia, a liberdade de imprensa apresenta-se no centro desse debate. Assim, é saudável discutir os contornos que a liberdade de imprensa pode ser exercida, todavia, a censura prévia pode resultar em reflexos agudos nas escolhas democráticas.
Sob o ponto de vista da liberdade de imprensa no direito constitucional norte-americano, a amplitude e proteção do sistema jurídico é ampla. Como exemplo emblemático o caso New York Times Co. v. United States 403 U.S. 731 (1971) considerou constitucional a possibilidade de publicação pela imprensa, de material sigiloso de interesse público trazido à luz de forma criminosa.
É verdade que regras constitucionais estão sujeitas às interpretações conflitantes. Se na tradição constitucionalista norte-americana o conteúdo e aplicação da liberdade de imprensa apresenta uma gramática extensiva, no ordenamento jurídico brasileiro o tratamento tem o conteúdo normativo limitado.
Como paradigma relacionado à liberdade de imprensa, o Supremo Tribunal Federal julgou a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 103, no qual invalidou a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67).
Outro precedente relevante foi o julgamento do Recurso Extraordinário 840.718 AgR/DF, no qual o Estadão foi proibido de veicular matéria jornalística que tratava do filho do ex-presidente da República José Sarney. Na ocasião, o voto do Ministro Celso de Mello foi irreparável: “a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito, não pode ser restringida pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede jurisdicional”.
Ao final, o modelo proposto deve ser a integral proteção do artigo 220 da Constituição Federal, o qual assegura que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Nas democracias modernas, a cidadania é exercida com o adágio iluminista ouse saber (sapereaude). Assim, o esclarecimento de uma comunidade passa pela proteção à liberdade de imprensa e uma realidade que não pode retroceder, traduzida no “cala boca já morreu”.
* Vinicius Escobar afvogado, professor universitário e mestre em Direito pela UFRJ
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