Por muito tempo, o jornalismo foi entendido como uma das ferramentas mais poderosas da democracia: um instrumento de fiscalização do poder, de mediação da vida pública e de produção de conhecimento confiável. No entanto, esse papel tem sido questionado e reconfigurado diante de uma crise global, que atinge a credibilidade, o financiamento, a representatividade e até mesmo o próprio conceito de verdade.
O cenário atual do jornalismo se destaca pela crise: um campo que precisa decidir, com urgência, se vai se reinventar ou se será engolido pela era da pós-verdade, das fake news e das redes sociais algorítmicas.
A crise é plural. Vai muito além das redações encolhidas ou dos baixos salários dos jornalistas que celebraram o seu dia nesta segunda-feira, 7. Ela envolve a falência de empresas de comunicação, a diminuição de vagas de emprego, a escassez de infraestrutura e de grandes reportagens investigativas, o sumiço dos furos jornalísticos e a queda vertiginosa no número de leitores. Muitos desses leitores migraram para o consumo gratuito de conteúdos rápidos e efêmeros em redes sociais, onde opiniões pessoais frequentemente substituem fatos verificados.
O documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma, 2020), dirigido por Jeff Orlowski, aprofunda esse debate ao mostrar como o modelo de negócios das plataformas digitais opera a partir da coleta massiva de dados pessoais e do direcionamento de conteúdos com base nas preferências de cada usuário. Isso dá origem à chamada “bolha de informação”: uma realidade personalizada que reforça as convicções individuais, criando a falsa sensação de que todos ao redor compartilham da mesma visão de mundo. O efeito é perigoso. A pluralidade de ideias se dilui e a percepção subjetiva ganha status de verdade.
O perigo com a onda da viralização
Nesse contexto, ganha força o conceito de pós-verdade — um tempo em que a realidade pouco importa diante da força das narrativas. O que vale é a emoção, a viralização, o que reverbera. Esse cenário favorece a proliferação de teorias da conspiração e a disseminação de notícias falsas. E ameaça diretamente a democracia, a ciência, o debate público.
As redes sociais colapsaram as barreiras de tempo e espaço que antes limitavam as interações humanas. As interações digitais são mediadas por algoritmos que amplificam conteúdos com maior potencial de engajamento. Ou seja, quanto mais polêmica, ódio ou comoção, mais alcance.
Essa lógica alimenta uma prática sensacionalista e cruel que transforma a dor alheia em espetáculo e a tragédia em cliques. A sensibilidade comunicativa se perde.
Outro elemento central dessa crise é o consumo passivo e desatento da informação. Em 2016, o Washington Post noticiou um estudo feito por cientistas da computação da Columbia University e do French National Institute, que revelou que seis em cada dez pessoas compartilham links de notícias sem sequer clicar neles. Isso compromete a construção de uma opinião pública crítica e informada. A superficialidade se impõe sobre a reflexão. A pressa se sobrepõe à compreensão.
O jornalismo precisa lidar com dois grandes dilemas: como sustentar financeiramente seu modelo de produção diante da lógica de gratuidade das redes, e como recuperar a confiança do público num tempo em que a verdade se tornou negociável. Não se trata apenas de resistir à concorrência com influenciadores digitais ou com produtores de conteúdo independentes, que muitas vezes fazem trabalhos relevantes. Mas de reimaginar sua função social.
A simplificação da linguagem, a contextualização dos fatos e a representatividade nas redações são apontadas como caminhos possíveis. Cada vez mais pessoas esperam que o jornalismo “explique melhor” o mundo em que vivemos, em vez de apenas noticiá-lo. O desafio está em fazer isso sem perder o rigor, a ética, a escuta ativa e o compromisso com a verdade.
Reverter esse quadro não é tarefa simples nem rápida. Mas reconhecer a crise, em toda sua complexidade e amplitude, é o primeiro passo para superá-la. Como no sentido original da palavra, crise é também possibilidade de mudança. É decisão. É ponto de virada. O jornalismo, se quiser continuar sendo relevante, precisa fazer essa escolha.
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