Apesar dos avanços no registro civil infantil nos últimos anos, 150 milhões de crianças menores de 5 anos permanecem sem registro de nascimento, de acordo com um novo relatório do Unicef divulgado em comemoração ao seu 78.º aniversário. O número representa cerca de duas em cada dez crianças nessa faixa etária em todo o mundo, deixando-as “invisíveis” para os sistemas governamentais e sem acesso garantido a direitos fundamentais.
Nos últimos cinco anos, os índices globais de registro de nascimento cresceram de 75% para 77%, mas o progresso ainda é desigual. A África Subsaariana, por exemplo, continua como a região com menor percentual, atingindo apenas 51%. Em contrapartida, áreas como América Latina e Caribe alcançaram impressionantes 95% de cobertura.
O registro de nascimento é considerado um direito humano fundamental, garantido pelo artigo 7º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Esse documento inicial assegura que a identidade legal da criança seja reconhecida desde o nascimento, permitindo acesso a serviços essenciais, como vacinas, educação e assistência social. Crianças sem registro estão mais vulneráveis a abusos, exploração e exclusão social.
"O registro de nascimento garante que as crianças sejam imediatamente reconhecidas sob a lei, fornecendo uma base para proteção contra danos e exploração, bem como acesso a serviços essenciais", afirmou Catherine Russell, diretora executiva do Unicef. Apesar do progresso, ela alerta que milhões de crianças permanecem “incalculadas” pelos governos, o que reforça a necessidade de esforços mais intensos para a universalização do registro.
O relatório destaca várias barreiras enfrentadas pelas famílias para registrar seus filhos. Entre elas estão a falta de infraestrutura adequada, longas distâncias até escritórios de registro, múltiplas visitas necessárias e custos elevados, incluindo taxas oficiais e despesas indiretas. Além disso, a discriminação por gênero, etnia ou religião agrava o problema em algumas regiões.
Esses desafios são particularmente evidentes em países da África Subsaariana, onde as taxas de registro variam significativamente. Na África Austral, 88% das crianças são registradas, enquanto na África Oriental e Central, os índices ficam em apenas 41%. Com melhorias lentas e uma população infantil em rápido crescimento, a África Subsaariana – preparada para abrigar a maioria das crianças do mundo nas próximas décadas – poderá ver mais de 100 milhões de crianças não registradas após 2030 se os níveis permanecerem como estão hoje.
Apesar das dificuldades, alguns países mostram que avanços são possíveis. O Botsuana, por exemplo, alcançou registro universal de nascimentos. A Costa do Marfim superou 90% de cobertura, enquanto Ruanda, Serra Leoa e Tanzânia demonstraram melhorias significativas na última década. Esses exemplos destacam a importância de priorizar o registro civil como uma política pública essencial.
Para garantir que todas as crianças sejam reconhecidas legalmente, o Unicef propõe cinco ações-chave:
1. Universalizar o registro de nascimento como parte de uma abordagem abrangente de identidade legal.
2. Simplificar e digitalizar processos para aumentar a acessibilidade e eficiência.
3. Integrar o registro de nascimento a programas de saúde, educação e proteção social.
4. Reformar leis para promover sistemas de registro mais inclusivos.
5. Capacitar comunidades para exigir o registro civil como um direito fundamental.
Angola: um exemplo regional
A Angola é um exemplo de compromisso com a universalização do registro. O país planeja emitir 20 milhões de bilhetes de identidade até dezembro de 2024, descentralizando o processo e investindo em digitalização. Uma avaliação do sistema de registro civil, realizada pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, busca identificar desafios e propor soluções para garantir maior inclusão e interoperabilidade.
O Unicef enfatiza que o registro universal de nascimentos é fundamental para assegurar os direitos das crianças e construir um futuro mais equitativo. Embora o progresso seja evidente em algumas regiões, o desafio de incluir os 150 milhões de “invisíveis” ainda exige esforços coordenados e sustentados. Garantir que todas as crianças sejam registradas é um passo essencial para protegê-las, reconhecê-las e garantir seu pleno desenvolvimento.
O relatório também ressalta a importância do engajamento de governos, ONGs e parceiros internacionais para criar soluções sustentáveis e eficazes. Somente com esforços conjuntos será possível reverter o cenário alarmante e oferecer às futuras gerações um início de vida digno e protegido.
Deixe o seu comentário