Surfista, médico e apesar de nascido em Volta Redonda, no sul fluminense, Guido Shaffer era carioca de coração. Criado em Copacabana, no Rio de Janeiro, em uma família de classe média, era o filho do meio de dois irmãos, Ângela Isnard e Maurício Schaffer. E costumava passar as férias em Nova Friburgo, no distrito de Mury, onde os pais, o médico Guido Manoel Vidal Schäffer e a dona de casa Maria Nazareth França Schäffer têm uma casa de veraneio. Um homem comum, mas com um grande diferencial, que pode levá-lo a ser o primeiro santo carioca: seu amor a Deus e seu serviço aos mais necessitados.
Guido Shaffer morreu em maio de 2009, aos 34 anos, vítima de acidente enquanto surfava na Praia do Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio. Depois desta fatalidade, milagres e curas passaram a ser atribuídos à sua intercessão, o que fez com que a Arquidiocese do Rio de Janeiro abrisse um processo de canonização, em 2015, com vistas a tornar Guido Sahaffer mis um santo da Igreja Católica. O processo tem quatro fases e o de Guido Schaffer está na segunda fase.
“O processo da canonização está tramitando em Roma, sua permissão pelo Papa Francisco é a primeira fase. Já passamos por essa e hoje Guido é considerado servo de Deus. A segunda fase, a que estamos atualmente, é a das virtudes cristãs em grau heróico, quando teólogos e cardeais analisam suas virtudes cristãs, e, com isso, Guido poderá se tornar um venerável. Depois disso, para ser beatificado, é estudado um milagre alcançado pela intercessão dele após sua morte. Depois de beatificado, tem que ter outro milagre para ser canonizado”, explica Ângela Isnard, irmã de Guido.
A história de Guido Shaffer
Guido nasceu em 22 de maio de 1974 e sempre morou em Copacabana. Foi uma criança e um adolescente saudável, com gosto pela praia, pelo mar e pelos esportes. De comportamento dócil, fazia amigos com facilidade. Seus pais, católicos fervorosos, levavam os filhos às missas dominicais e os ensinavam a rezar todas as noites. Em uma das edições do programa PHN (Por hoje não vou pecar), da TV Canção Nova, em homenagem a Guido, sua mãe disse que foi por volta dos 16 anos, que Guido começou a ter um desejo maior de conhecer e estar com Deus.
“Sempre fomos católicos. Eu era catequista em casa e na igreja. Na adolescência Guido teve um chamado divino para estar mais próximo a Deus. Fez experiência e retiro na Comunidade Bom Pastor. A partir daí passou a participar das missas não só aos domingos, mas também durante a semana e seguir uma vida de oração. Conheceu o padre Jorjão, que também foi o orientando na fé”, explicou ela.
Vivia sua fé em harmonia com a vida. Cursou medicina e formou-se em 1998, mesmo ano que iniciou o Grupo de Oração Fogo do Espírito Santo, da Renovação Carismática Católica (RCC), na Paróquia de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, com o padre Jorjão. Guido fez residência em clínica médica, na Santa Casa de Misericórdia, onde também trabalhou no corpo clínico, em 2001. Enquanto exercia sua profissão, testemunhava sua fé, como citou seu professor Clementino Fraga Filho, em homenagem após a sua morte.
“Em todo o tempo, dava testemunho de sua fé, no seu proceder irrepreensível com os outros. Vivia conforme os valores cristãos da cordialidade, temperança, caridade e justiça”, observou a mãe. Guido ainda namorava, pensava em se casar e seguir a carreira médica, que exercia na Santa Casa, em clínica particular e também ajudava na Pastoral da Saúde. Começou a trabalhar atendendo os pobres de rua com as Missionárias da Caridade, freiras da ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá.
Exemplos de fé
Uma das irmãs, que acompanhou o trabalho do Guido junto à casa das Missionárias da Caridade, na Lapa, escreveu: “Sua única preocupação era salvar almas. Levar todos a um encontro pessoal com Cristo. Não perdia uma oportunidade de proclamá-lo. Fosse com palavras ou com o próprio exemplo. Quando atendia os irmãos de rua, não só zelava pela saúde do corpo, mas, sobretudo da alma. A nenhum deles deixou de falar de Jesus Cristo. Muitos deles saíam do consultório em lágrimas e profundamente tocados. A todos tratava com delicadeza, paciência e compreensão. Nunca o vi irritado ou impaciente com ninguém. Mesmo quando alguém vinha embriagado ou sob efeito de drogas e procurava confusão”, destacou a religiosa.
As férias de Guido em Nova Friburgo
A casa de veraneio da família de Guido foi adquirida quando ele e os irmãos já eram adultos. E, de acordo com a irmã dele, Ângela Isnard, foi um local onde ele buscava maior conexão com Deus, através de hábitos de silêncio, oração e estudos. “Ele aproveitava o tempo que estava aqui pra meditar. Ia à missa diariamente, tirava um momento para estar em adoração ao Santíssimo Sacramento. Ele gostava de ficar no mezanino da casa, onde lia a bíblia, livros espirituais, meditava e fazia suas anotações. A janela do mezanino tem vista para uma mata exuberante. E ele ficava contemplando a natureza, meditando e rezando”, revelou ela.
Sua rotina começava cedo aqui, com orações e as missas diárias, na Catedral São João Batista. Depois Guido voltava para Mury e ia para a Igreja de São Cristóvão, onde passava a manhã. O pároco da igreja na época, Marcelo Piller disse que ele sentava no chão, em frente ao Santíssimo, sempre com sua mochila. “Ali passava horas, adorando e rezando. Ele sempre me dizia: Essa igreja é um oásis, onde me abasteço de Deus”, lembra padre Marcelo, completando, “a gente, que é da Igreja, já está acostumado a ver pessoas entregues a Deus, mas o Guido era muito puro com o que fazia, era muito simples, sem alardes”, disse o padre Marcelo.
No programa PHN, da Canção Nova, exibido em 31 de março de 2015, a mãe dele contou uma história marcante em Nova Friburgo. “Um dia estávamos em Friburgo e Guido ia todos os dias à missa pela manhã, chovia muito. Falei com ele: Filho, você vai à missa com esse tempo? Assista pela TV. E ele disse: Gosto de assistir pela TV, mas não tem a eucaristia. E ele foi, sem guarda-chuva. Quando a chuva apertou, falei com meu marido, vamos buscar o Guido. O encontramos caminhando e ele estava seco. Quando perguntei sobre a chuva ele falou na maior simplicidade: Eu ia andando e a chuva vinha sempre atrás de mim. Não caiu uma gota nele”, disse ela.
Outra virtude marcante de Guido, falada por todos em seus depoimentos, é que Guido não falava mal de ninguém e aproveitava o tempo que tinha para rezar. Ângela lembra de um fato que a marcou em uma das caminhadas em Mury. “Quando acabamos o terço, eu estava muito chateada com uma pessoa do grupo de oração do qual fazia parte, por ter criado uma desunião entre os membros. Eu não conseguia perdoar essa pessoa. Quando a gente acabou de rezar o terço, comecei a falar da pessoa. Ele falou assim: olha só, perdoa essa pessoa, não fica falando mal dela. E eu queria continuar falando e ele: Tenho uma ideia ótima, já rezamos o terço, agora vamos rezar o rosário. E a gente caminhou rezando o rosário. Ele conseguiu me tirar do pecado e conseguiu me fazer rezar”, lembra ela, falando ainda “Guido corrigia de um jeito simpático, não tinha como resistir. Ele tinha sabedoria para lidar com as coisas. E Nova Friburgo dá essa possibilidade dos exercícios inacabados, o silêncio, a contemplação da natureza. Ele fazia jejum das palavras, se era para falar algo, que fosse apenas de Deus”, completou.
Padre Marcelo Piller lembra dos almoços com Guido na casa paroquial e das conversas com ele. E quando questionado sobre como é ter conhecido uma pessoa que pode ser canonizada, padre Marcelo disse: “lembro de uma frase de Santa Teresinha que fala: Como devem ter sido felizes os que conviviam com os Santos. E eu sou um deles”.
Homenagens ao Servo Guido
Os restos mortais de Guido Schaffer estão na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, na Zona Sul carioca, onde ele fundou e dirigiu o grupo de oração Fogo do Espírito Santo. Lá também são encontrados objetos deixados por fiéis agradecendo pelas graças recebidas por sua intercessão.
A família de Guido mantém um memorial com seu nome na Santa Casa de Misericórdia, no Centro do Rio de Janeiro, onde Guido foi residente e médico. No local, é possível encontrar bíblias, trajes, imagens de santos de sua devoção e suas pranchas de surf.
Um trecho de aproximadamente 140 metros da Praia do Recreio dos Bandeirantes, onde Guido morreu, recebeu seu nome. Desde 2016, o grupo Fogo do Espírito Santo, faz no local, o Dia da Praia, em todo 1º de maio, dia de sua morte. Amigos, familiares e padres fundaram a Associação Guido Schaffer para divulgar a vida e obra do Servo de Deus.
Para conhecer mais sobre a vida do candidato a primeiro Santo do Rio de Janeiro, acesse o site: www.guidoschaffer.com.br.
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